Corpo do artigo
A 3 de julho passado, teve início, finalmente, o julgamento do processo conhecido como Operação Marquês. Diz um investigador jornalista, autor de um livro intitulado “Isto é um escândalo” que este processo é “o maior escândalo de meio século de democracia”. Pela relevância social, financeira e política dos envolvidos, pela natureza grave dos crimes indiciariamente cometidos, pelos incidentes processuais, em excesso, pela lentidão do seu percurso... Ainda que em fase de julgamento, pode dizer-se que este processo constitui um verdadeiro caso de estudo. Para dele se tirarem ensinamentos, apurar as deficiências e excessos ocorridos que possam fundamentar sustentadamente alterações ao CPP. Porém, importa preservar os fins ou metas que enformam os seus princípios e as suas normas, porquanto se conformam aos comandos da CRP e às legítimas expectativas que se geraram no quadro de um Estado de direito democrático e social. É por isso que, embora a escalpelização do todo que compõe os autos só possa ser realizada com uma decisão transitada em julgado, é pertinente e desejável fazer-se, desde já, um balanço do que “correu mal”. Registe-se o escândalo da detenção espectáculo de José Sócrates. São imagens televisivas de incómodo, até de vergonha alheia, que não se esquecem facilmente, flagrante violação do segredo de justiça e dos direitos fundamentais dos arguidos. Criticável, em minha opinião, foi ainda a extensão e conteúdo da instrução, numa interpretação excessiva das normas que a regem. O objectivo desta fase esgota-se na confirmação ou infirmação da acusação do MP, e não proceder a uma nova investigação, com repetição irrelevante de diligências. Diz-se ser um megaprocesso e desnecessária a investigação única de crimes autónomos, com o consequente prolongamento da fase da investigação e a prolação de uma acusação extensa e complexa. Só da consulta completa do processo se poderá apurar da existência, ou não, de conexão entre os crimes indiciados, mas registe-se que já no início do julgamento José Sócrates requereu a junção de um outro processo. O arguido é um sujeito processual e devem ser-lhe concedidos todos os direitos para uma defesa efectiva. É a lei e não aquele que tem de garantir que tais direitos não se transformem em abuso, em não direito. A quantidade de reclamações e recursos interpostos pelos arguidos com suspensão do andamento do processo não é saudável para a realização da justiça. O arguido tem o direito de recorrer de todas as decisões que não o satisfaçam, mas a lei tem de conter soluções que, sem beliscar o direito de defesa, tornem a tramitação processual mais célere. Isto é, na fase de julgamento, os recursos não devem suspender o normal andamento do processo. Os recursos devem ter efeito devolutivo ou subirem com a decisão final. Ter-se-iam eliminado períodos de impasse e lentidão na conclusão de um caso urgente, por natureza, para a justiça e efectivação da democracia e liberdade.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia