Muitos terão ficado espantados com a aparente ingenuidade dos norte-americanos ao retirarem-se do Afeganistão ao fim de 20 anos.
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Agora limitam-se a uns ataques de drones para travar o Estado Islâmico em divergência com o poder talibã, assumido logo após a saída dos ocupantes ocidentais. A explicação de fundo para esta atuação tem várias raízes e uma delas é portuguesa.
Em primeiro lugar, do ponto de vista do legado infraestrutural, ficou à vista a falta de investimento. Segundo o académico Jeffrey Sachs, dos 946 mil milhões de dólares investidos pelos EUA entre 2001 e 2021, 816 mil milhões foram para despesas militares com as suas tropas. E o povo afegão viu com os seus olhos apenas 130 mil milhões, 83 mil milhões dos quais aplicados nas forças de segurança afegãs, precisamente aquelas que nada fizeram perante o ataque talibã a Cabul. Seja como for, 10 mil milhões ou mais foram gastos em operações de combate ao narcotráfico, enquanto 15 mil milhões foram para agências dos EUA a operar no Afeganistão. Restaram 21 mil milhões para "apoio económico" (escolas, centros de saúde, entre outros equipamentos e serviços). Tal como sucedeu com a descolonização portuguesa, ficou para trás um deserto de infraestruturas.
A raiz lusa presa ao caule da retirada americana consiste noutro aspeto ainda. Embora já o fizesse antes, entre 1951 e 1961, o Estado Novo assumiu constitucionalmente que não tinha colónias. Portugal mantinha um império, mas negava-o perante a comunidade internacional. Como refere o historiador Bruno Cardoso Reis, a postura portuguesa contribuiu de certa forma para que desaparecesse a possibilidade de os impérios formais se assumirem e serem reconhecidos como tal. Ou seja, os EUA podem invadir o Afeganistão, mas não podem anexar o seu território. De onde veio esta ideia? Surgiu em 1961, com uma série de resoluções da ONU dirigidas a um império português que não saíra ainda do "armário".
*Editor-executivo-adjunto