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Na noite em que se contava com uma vitória do partido de Le Pen, a coligação das esquerdas venceu as eleições e, apesar de ainda não haver solução de governo, esta vitória inesperada mostra-nos algumas coisas interessantes, que têm relações com a nossa política doméstica.
Desde logo, que o partido de Macron foi castigado pelo seu pendor ultraelitista, de quem governa para os privilegiados, sendo essa penalização um bom recado para Montenegro, que insiste em favorecer os jovens mais ricos e os contribuintes estrangeiros qualificados, contra qualquer sentido de justiça fiscal e social, ou em liberalizar o alojamento local, sem priorizar a habitação a baixo custo.
França provou que a Esquerda pode ser o grande polo de oposição à extrema-direita, em vez do centrão com tiques ultraliberais que, parecendo o “adulto na sala”, serve os interesses dos mais ricos e acentua as desigualdades sociais, que engrossam as hostes dos desamparados que escolhem o populismo por protesto e desespero.
Confirmou que os eleitores tendem a premiar a conciliação das esquerdas por um objetivo maior e, como vimos em Portugal, ter a Esquerda a puxar a governação do PS para as causas sociais resultou em medidas concretas e numa boa perceção pública do desempenho do Executivo.
Comprovamos também que os meios de comunicação mainstream têm o diapasão tão afinado à Direita que foram incapazes de pressentir a força de uma frente de Esquerda. Os média tendem a dar muito tempo de antena aos fascistas, ao mesmo tempo que demonizam aquilo que chamam “extrema-esquerda”, como se ambos se equivalessem. Cá, por exemplo, nunca fez sentido equiparar o Bloco ao Chega, sendo o BE um partido praticamente social-democrata, mas acontece muitas vezes no discurso de comentadores televisivos supostamente idóneos.
Vimos que, de facto, a extrema-direita cresce progressivamente, mas que a sua rejeição ainda é ultramaioritária. Tal como em Portugal, em que o milhão de votos no Chega foi muito valorizado, pelo protagonismo mediático desproporcional do seu líder e pela natural preocupação dos democratas com a normalização destes discursos perigosos, mas onde, na verdade, mais de oitenta por cento dos eleitores escolheram partidos democratas.
Finalmente, como nota para a solução governativa e parlamentar que se desenha, quero assinalar o perigo de a Esquerda e os liberais se juntarem em bloco numa supergeringonça, sob pena de, nas próximas eleições, não restar nada além de Le Pen para quem, por insatisfação, quiser votar contra os incumbentes. E isso serve também para o Parlamento nacional, onde precisamos, mais do que nunca, que o PS e a Esquerda façam oposição. Cá como lá, a Esquerda tem de dar resposta aos desamparados da erosão do Estado social, porque essa é que é a verdadeira luta contra o crescimento da extrema-direita.