A crise política parece ultrapassada, pelo menos para os muito suscetíveis e voláteis mercados, os quais, poucas horas após a mensagem do presidente da República, iniciaram o processo de trazer os juros da dívida para níveis das vésperas das demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas.
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O desfecho da crise representa uma vitória pessoalíssima de Passos Coelho, porque, de entre os políticos envolvidos pelo presidente da República na tentativa de compromisso de salvação nacional, foi o único que não teve de fazer cedências públicas à posição de partida. A qual, recorde-se, consistiu em afirmar que não aceitava a demissão de Paulo Portas e sobretudo que ele próprio não se demitiria, resumindo a totalidade desse seu pensamento sobre a crise, as origens da crise e as circunstância da crise, a uma frase- -chave - "não abandono o meu país" - que lhe servirá certamente para toda a vida política. A começar pelo "day after" da crise, como já ontem pudemos comprovar no sublinhado de que Portas será mesmo seu vice mas sem se sobrepor a Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças que será também de Estado tal como Gaspar.
Todos os outros tiveram em algum momento de justificar passos suscetíveis de más interpretações: para justificar a marcha atrás na sua demissão "irrevogável", Portas teve de enunciar uma doutrina da hierarquia de interesses, ou seja, que abdicava do interesse pessoal em favor do interesse do partido e do interesse do partido em favor do interesse do país; por sua vez, para justificar a contradição da situação em que o PS esteve a negociar um compromisso de salvação nacional tendo no bolso políticas fiscais e salariais inegociáveis, Seguro teve de enfatizar que resistiu a todas as pressões, incluindo as do interior do seu próprio partido; para justificar o fracasso da sua iniciativa em obter um acordo de salvação nacional subscrito por PSD, PS e CDS-PP, Cavaco Silva teve de elogiar na sua mensagem aos portugueses o esforço de diálogo dos três partidos e fazer pública fé em que parte dos problemas que vivemos subsistirão e que mais cedo ou mais tarde um acordo tripartido será inevitável.
Assim recapitulada a história da crise, resta o essencial, porventura já esquecido, e que Vítor Gaspar nos legou por escrito: "Numa carta de demissão é imperativo refletir sobretudo sobre as próprias limitações e responsabilidades. O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma quebra substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade como ministro das Finanças".
Será disto mesmo que haveremos de tratar após as eleições autárquicas. Ou seja: do Orçamento do Estado para 2014.