Talvez tenha sido por causa da chuva, do mau tempo, destes dias cinzentos com a noite a ameaçar às quatro da tarde, ou talvez não tenha sido por nada disso - o certo é que no domingo passado dei comigo a recordar duas datas sempre muito dolorosas para mim.
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Por motivos diferentes, e a magoarem também de maneira diferente. No dia 30 de Novembro de 1975 era sepultado, no Brasil, Erico Veríssimo. É provável (é quase certo…) que este nome não diga nada hoje às gerações mais novas - e se calhar muito pouco às outras. Temos memória curta e, no que toca a nomes de escritores, memória curtíssima. Como aquelas pessoas que dizem "eu, para nomes…" Erico Veríssimo foi um dos homens da minha vida. Não houve escritor nenhum que me tivesse influenciado tanto. Acho mesmo que a vontade de escrever, a descoberta da maravilha que era usar as palavras para contar uma história - e, mais do que isso, para transmitir uma emoção - foi com ele que aprendi.
Porque ele chegou à minha vida quando eu tinha seis anos. Li tudo o que encontrei, percebesse ou não a história, mas cativada pela música das palavras - e paixões dessas não acabam nunca. Foi-me sempre acompanhando. E em adolescente tive a certeza absoluta de que ele me tinha conhecido, quem sabe se numa outra vida, pois só assim se compreendia que ele tivesse feito o meu retrato em "Clarissa". Paixão tão forte que trago sempre um retrato dele na minha carteira - juntamente com os retratos da família, dos amigos e dos (outros) homens da minha vida. É uma fotografia muito bonita, em que ele está debruçado sobre a máquina de escrever, e uma luz incide sobre a sua cabeça, tornando-o no único foco de claridade no meio de uma sala muito escura.
Foi um dos filhos que me ofereceu a fotografia - igual à que fui encontrar no ano passado numa sala da Universidade de Brasília, e eu a dizer para a professora que me esperava, "olhe, tenho uma igual na carteira!" e ela "sério?", e eu a tirá-la e as duas ali em adoração…
Não me perdoo não ter chorado suficientemente a sua morte. Mas ele morreu em pleno ardor revolucionário, o 25 de Abril tinha pouco mais de ano e meio, ninguém tinha tempo então para pensar nessas coisas. Acho mesmo que nem dei por isso - e tenho a certeza de que os jornais de então também não devem ter gasto muito espaço com a notícia. Os jornais… Pois…
A outra recordação triste que me traz o dia 30 de Novembro tem a ver com jornais: foi nesse dia, há dezoito anos, que morreu o "Diário de Lisboa". Que, para mim, foi muito mais do que um jornal: foi o lugar onde se desenhou a minha vida inteira.
São duas mortes que me hão-de magoar sempre.
E que não esquecerei nunca.