São dois os processos de grande repercussão social que, agora, se encontram na esfera da competência do Tribunal da Relação de Lisboa. O processo Marquês vai exigir um trabalho hercúleo aos magistrados a quem for distribuído.
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É do conhecimento público que do despacho proferido pelo juiz de instrução recorreram o MP e os arguidos pronunciados. O colectivo de juízes terá de atentar nos conteúdos da acusação deduzida e do despacho do juiz, na prova produzida durante a fase de instrução e no teor das alegações de recurso e respectivas respostas do MP e dos arguidos recorrentes, sendo que de todo este corpo do processo têm de recolher e sopesar os argumentos fundamentais. O Tribunal terá de dissecar toda a matéria contida nos milhares de páginas que compõem as referidas peças processuais e relevar tão-só a que importa à decisão final. Não é exigível nem expectável uma decisão-relâmpago, tantas as questões em discussão, embora seja previsível que, com o empenho e sentido de função dos magistrados, seja possível a publicação de acórdão durante este ano.
No processo relativo a Ricardo Salgado, extraído do dossier Marquês, foi recentemente conhecida a decisão condenatória, de seis anos de prisão, por cúmulo jurídico das penas parcelares de quatro anos de prisão aplicadas por cada um dos três crimes de abuso de confiança. Encontra-se em fase de interposição e alegações de recurso. Já antes referi que considero benevolentes as penas aplicadas, que, para mim, só se justificam pela doença de que padece o arguido e pela sua idade avançada. A defesa recorrerá, certamente, da decisão, sobretudo da matéria concernente às implicações na execução da pena da doença de Alzheimer dada como provada, doença evolutiva e que pode atingir um grau de total alheamento da realidade, com uma percepção errada do que o rodeia. Em minha opinião, mostra-se necessária e fundamental a realização de perícia específica, pois que a lei prevê diferentes soluções para os arguidos considerados inimputáveis perigosos ou não. Conforme as conclusões do relatório pericial, ou o arguido é considerado imputável e cumprirá a sua pena de prisão em estabelecimento prisional, ou será considerado inimputável e poderá ser-lhe aplicada uma medida de segurança, caso aquela doença neurológica degenerativa e a gravidade dos factos praticados imponham a medida de internamento, por fundado receio que volte a praticar os mesmos tipos de crimes, o que não será natural. Se o Tribunal considerar que não existe tal perigosidade criminal, o arguido, se considerado inimputável, não cumprirá a pena a que foi condenado, ficando suspensa a respectiva execução até à cessação do estado que a determinou, o que, atenta à natureza da doença, não ocorrerá, pelo que a referida suspensão terminará na data em que seria dada por cumprida a pena de prisão a que foi condenado.
Outros casos surgirão, mas estes arrastam a curiosidade e expectativa da comunidade, dada a função social e política dos arguidos.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
Ex-diretora do DCIAP