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Na vida política portuguesa o ano oficial começa em finais de agosto com as famosas "rentrées" partidárias. Festas comícios, sardinhadas e "universidades" para jovens sedentos de uma carreira pública colorida são o palco onde os diversos líderes debitam a primeira cartilha anual. Depois o ano é marcado pelo debate orçamental, pelos discursos presidenciais de Ano Novo, do 25 de Abril e Dia de Portugal, pelas greves profissionais e sazonais o que envolvem o 1.º de Maio, pelas birras endémicas do dr. Portas e pelos escândalos judiciais de cada estação. Esta cartilha vai-se repetindo ano após ano, com o estribilho constante da degradação paulatina da qualidade de vida coletiva. Destino monótono mas saudavelmente previsível.
O ano que agora terminou não fugiu à regra e no contexto desse cenário escolhi três temas para este texto pré-estival. Impostos, aqueles que cada vez mais pagamos, o trepidante caso BES, que será a novela que alimentará o convívio dos toldos praieiros algarvios e as perspetivas para o dueto Rui Rio/António Costa, reencarnação mediático- política dos partenariados que pautam, no internacional cançonetismo, a colaboração artística de fim de carreira.
Vamos então aos impostos. Para nosso gáudio - assim vemos que não somos os únicos a sofrer - o Instituto Molinari, sediado na hipereuropeia Bruxelas, acabou de publicar um trabalho em que prova que os europeus passam uma parte alargada do ano a trabalhar para as despesas do Estado. Cálculo decorrente do desconto global da carga fiscal no seu rendimento bruto.
Segundo esse critério, um Irlandês trabalha em média para o Estado até 28 de abril de cada ano, um britânico até 12 de maio, um luxemburguês até 30 de maio, um grego até 14 de julho, um francês até 28 de julho e, pasme-se, um belga até 6 de agosto! No meio deste assalto legal os portugueses nem estão mal colocados, já que "só" trabalham para o Estado até 6 de junho, ou seja, já comemoram o dia de Camões a labutar para o seu pecúlio pessoal!
É óbvio que este caminho é insuportável e que é necessário reinventar um novo Estado em que o social seja prioritariamente gerido por cada trabalhador, cada família, cada microcomunidade, em detrimento de uma transferência cega de recursos para aparelhos públicos incompetentes e clientelares.
Vamos então ao triste dossier BES. Tudo o que se sabe e virá ainda a saber sobre a queda desse "império" já não altera as conclusões finais do ponto de vista do seu interesse para a nossa vida coletiva.
Este caso resume-se de uma forma linearmente clara. A promiscuidade que pautou na última vintena de anos a organização económica da nossa sociedade - economia baseada nos monopólios semipúblicos de empresas de bens não transacionáveis e banca e concubinato promíscuo das mesmas com o Estado - foram a mistura explosiva que conduziu o país ao caos. Haja pois a justiça de entender que no meio de erros e omissões Passos Coelho teve o mérito de abanar irreversivelmente esse edifício apodrecido. Pelo menos nesse particular Portugal está a mudar para melhor.
Complementarmente, uma segunda constatação. A família portuguesa que o subconsciente coletivo referenciava como paradigma do sucesso financeiro perene, demonstrou que não se soube governar, nem se pautou pela conduta ética que lhe era exigível. É verdade que esta constatação alimenta a nossa secular costela invejosa e vingativa, mas também é evidente que magoa o nosso orgulho e a nossa autoestima. Não nos faz bem constatar que até os que parecem os nossos melhores se comportam tão mal.
Finalmente a versão lusitana de "Elton Jonh and Friends". O Bloco Central "bom" de Rio e Costa, o que contrasta com o BC mau de Passos e Seguro.
BC "bom" porque, por dogma, Rio e Costa são sérios, competentes e responsáveis. Os outros são, pois, por definição, o oposto de tudo isto.
Rio e Costa são hábeis, compreenderam que em Portugal, principalmente no meio de crises, vale muito um certo tipo de imaginário. Aquele que é transmitido pela ideia de circunspeção, seriedade austera e poucas falas. Para tal nem é conveniente ser grande realizador e muito menos ter muitas ideias e propostas conhecíveis. Um fato escuro, a boca fechada, um olhar sombrio e umas conferências de generalidades em ambiente intimista, fazem milagres neste cantinho lusitano. Eça descreveu os personagens através de um arquétipo secular, o Conselheiro Acácio. Houve um que reinou quase meio século em ditadura, mas eles pululam por aí em democracia.
E normalmente, com o beneplácito patético e acrítico da bem pensante opinião publicada, chegam ao poder.
Aguardemos pois com paciência e, apesar de tudo, por uma mudança de rumo. Quem sabe se no outono...