É preciso pelo menos começar a desconfiar de que a Casa Pia não está em condições de garantir a segurança e de educar em paz as crianças que lhe são confiadas.
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A Casa Pia de Lisboa volta a ser notícia pelas piores razões: duas crianças que lhe estavam entregues, uma de 8 e outra de 10 anos, irmãos retirados à mãe por negligência grave desta, foram sucessivamente violadas por colegas. Uma funcionária que abafou o caso e a directora do Colégio de Santa Clara, onde tudo ocorreu, têm processos disciplinares e a provedora da Casa Pia, pessoa, aliás, de grande competência, considera a situação intolerável. Poderíamos procurar outros adjectivos igualmente fortes. Inadmissível é que o Estado maltrate as crianças que lhe são confiadas.
O nome Casa Pia começa a ser maldito, e quem de direito deveria pôr sobre a mesa a discussão de saber se é com instituições como esta, com esta organização e grandeza, que se cuida bem de crianças que têm já um passado muitas vezes de terror e que, por isso mesmo, merecem atenções redobradas. Depois de tudo o que se passou, o que se viveu, o que se disse, depois de uma discussão levada ao exagero, mas explicável pelo choque causado pela notícia de tanta violação, eis que surge novo caso, que surge apesar de tentativas internas para o abafarem. Por muito que isso custe a muita gente, por muito que isso custe aos casapianos que ali encontraram a casa e a família que não tiveram, é preciso, pelo menos, começar a desconfiar de que a Casa Pia não está em condições de garantir a segurança e de educar em paz as crianças que lhe são confiadas. E, sendo assim, é preciso agir em conformidade e depressa.
A quem também não fará mal uma profunda reflexão é a procuradores e juízes. Uma sondagem ontem publicada pelo jornal "Expresso" arrasa a imagem que os portugueses têm deles. Tal resultado não me espanta. Podemos sempre ir buscar atenuantes ao facto de a maioria das pessoas não compreender a realidade da justiça e o seu funcionamento. Podemos. Podemos sempre dizer que as leis são más. Também podemos. Mas seria preferível que todos fizéssemos uma reflexão. O resultado será com certeza injusto para muitos magistrados e muitos juízes. Será. Mas para outros não.
Juízes e magistrados viveram sempre muito fechados, o que dava à Justiça um ar pesado, é certo, distante, mas transmitia segurança aos cidadãos. Os julgadores eram pessoas diferentes, especiais. De repente, certamente pelas melhores razões, juízes e magistrados apareceram mais, passaram a dar pública opinião sobre muitas coisas. E é isso que possivelmente os faz parecer aos olhos das pessoas comuns pessoas comuns também, capazes de errar. Acresce que os cidadãos estão mais atentos do que por vezes se julga e o escândalo que alguns processos têm provocado e a mediatização a que são expostos não atinge apenas os envolvidos. Por vezes, juízes e magistrados enredam-se nesse circuito de mediatização. As razões por que o fazem, eles as saberão, mas os resultados podem não ser os melhores.