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O reformador é o protagonista dos meus primeiros artigos do JN. Talvez o leitor estranhe esta fixação numa espécie rara entre nós. De facto, não tenho eu falado de outra coisa. Por hoje, convido o leitor a ver as linhas e entrelinhas da recentíssima mensagem da troika, porque, em antevésperas da incerta despedida, a troika deixa bons avisos ao Reformador.
A troika, a conjuntura e as estruturas...
A 11.ª avaliação da troika foi banhada por uma inefável doçura, de quem se sente de partida, só Deus sabe quem fica em meu lugar. Numa economia cansada de rolar pela ladeira abaixo, a troika vê finalmente, todos vemos, indícios de melhoria. Na figura do PIB real (sem inflação), vemos a economia a virar, depois de baixar nos anos 2009, 11, 12, 13, e regredir para os níveis de 2000. A troika prevê um suave crescimento em 2014. Se são viragens para durar, não sei, ninguém sabe. Na verdade, nem o sabem os papagaios de serviço. Para já, as viragens são aragens, o vento pode mudar, oxalá que não, oxalá que as expectativas se alicercem. E que os políticos as não estraguem. E que o Reformador se assuma, valha por dois como o homem prudente, busque consensos.
Se a troika parece revelar-se pudicamente agradada com os sinais da conjuntura, também parece mostrar-se diplomaticamente desagradada com a frouxidão do Reformador. E acho que a troika tem razão. Infelizmente, tenho dúvidas sobre o ritmo, a extensão e a espessura das poucas reformas estruturais (dignas desse nome) que temos tido. E tenho tristes certezas sobre as que não temos tido, desde logo a fundamentalíssima reforma estrutural do Estado. A propaganda é outra música.
A troika e a reforma do Estado...
Reforma do Estado? Sem medidas de teor permanente e irreversível do lado da despesa pública, isto é, sem mudanças estruturais das funções do Estado e dos regimes públicos (o que faz o Estado, como o faz, como se financia, o que deve deixar de fazer, etc.), o sério problema das finanças públicas persistirá. A troika pode sair, mas as causas do mal ficarão residentes, cá. A melhor ocasião para a reforma do Estado, na presente legislatura, foi o tempo troikiano, o meio ano de 2011 e os dois anos seguintes. O tempo foi clamorosamente desperdiçado pelo Reformador. Agora, tudo tende a ser mais difícil e embargável. Nem se poderá vaticinar "o que não tem remédio, remediado está". Remédios (estruturais), que os há, há, estão é por tomar. E remediado, nada está, no que respeita às raízes da celebrada sustentabilidade do Estado, que é questão de fins e meios.
Sustentabilidade? Diz-nos a troika que a dívida pública é elevada. Também nos diz que a dívida é sustentável desde que o reform momentum se estenda para lá do horizonte do programa de ajustamento, que finda em breve. Uma condescendência da troika, que aponta ao Reformador, mais uma vez, o caminho redentor de um "alargado entendimento político" (o apelo do PR em 2013), tendo em vista "os esforços de disciplina orçamental e de reforma estrutural das finanças públicas".
A troika e as reformas da economia...
Ao nível da economia, a troika pede "um forte empenhamento" do Reformador. Pede um aprofundamento da "agenda das reformas estruturais", de modo a que continue a mudança (estrutural) da economia "orientada para as exportações". Exportações em sentido amplo, pois claro, directas e indirectas, ou seja, todas as actividades submetidas à concorrência internacional, de portas abertas, sem proteccionismos, abrangendo a substituição competitiva de importações. Por conseguinte, o que nos recomenda a troika são políticas e medidas estruturais para os transaccionáveis, eis o ponto. E diz-nos que isso será igualmente essencial para atrair, ao seio dos "transaccionáveis"nacionais, o investimento directo estrangeiro.
Mais nos diz a troika que ainda há importantes bottlenecks (obstáculos, apertos, afunilamentos) que diminuem a competitividade das empresas portuguesas frente aos concorrentes internacionais. A troika exemplifica com as "rendas excessivas", ou privilégios, que se mantêm a favor de empresas dos "não transaccionáveis" e oneram os "transaccionáveis"; e com as "rigidezes do mercado laboral". Juízos e conselhos da troika que são graves e não podem deixar indiferente o Reformador.
Acresce o facto de a administração pública, afirma a troika, precisar de ser mais "amiga da economia", numa clara referência à burocracia e a outras formas de custos de contexto. É uma manta de processos e procedimentos, que o Reformador ainda tem por desbravar. Por exemplo, nos licenciamentos, na administração dos impostos, na administração da justiça. E eis-nos metidos, de novo, no covil da reforma do Estado. Despede-se a troika do Reformador? Não, seguramente que não, pelo menos em espírito, a troika não se despede.