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Ontem, dia 17, estive no Tribunal para ser ouvido por videoconferência como testemunha de um julgamento. Fui remarcado para outra data. Informaram-me que há 100 médicos para serem ouvidos no âmbito deste complexo processo. Se foram assim convocados, quantas consultas e cirurgias ficaram por fazer?...
Fiz a pergunta que milhões de portugueses já devem ter efetuado: por que me convocaram, sob ameaça de multa, se já sabiam que era impossível ser ouvido? O pobre do funcionário justifica com a Lei. Pois bem, então a Lei está mal. Quase parece que foi deliberadamente mal feita.
Traduzindo esta situação à escala nacional, não é tolerável que milhares de pessoas sejam convocadas aos tribunais para serem testemunhas em situações em que já se saiba previamente ser completamente impossível poderem ser todas ouvidas. Além da falta de respeito pelas pessoas, esta situação representa um prejuízo que, no seu conjunto, deve somar valores na ordem dos muitos milhares de milhões de euros. Faça-se um estudo.
Para além desta questão, a subtileza da legislação permite que, na falta de alguma testemunha, o que entre tantas acontece, o(s) advogado(s) de alguma das partes possam solicitar o adiamento do julgamento, o que depende da decisão do juiz. Há histórias inacreditáveis...
Os médicos também devem evitar emitir atestados de complacência para justificar ausências aos tribunais, pois, além de ser crime, contribuem para o atraso e a injustiça da Justiça. O Ministério da Justiça deveria utilizar sistematicamente o sistema de verificação imediata de doença, para prevenir potenciais abusos e penalizar severamente os eventuais prevaricadores.
Todos sabemos que há muitos problemas na Justiça portuguesa. É preciso melhorar a organização dos tribunais e resolver o problema da falta de meios técnicos e recursos humanos, da deficiente ligação entre setores de investigação, das alterações legislativas demasiado frequentes, dos mecanismos dilatórios existentes na Lei, das leis mal feitas, da possibilidade de arrolar um excesso de testemunhas, das providenciais prescrições, etc. A terapêutica não é difícil.
Se há países em que a Justiça funciona muito bem, então isso significa que, se os nossos legisladores quisessem (e são maioritariamente advogados...), a Justiça também poderia funcionar bem em Portugal...
Afinal, a quem interessam estas regras, que prejudicam os cidadãos e a aplicação da Justiça?
*BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS