Reformas à lista
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A proposta apresentada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de criação de uma união económica com a Europa e a anunciada intenção da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, de declarar guerra aos "paraísos fiscais", são sinais claros de que com coragem e imaginação, ainda que não dispensando algum estímulo pré-eleitoral, é possível remar contra a resignação dominante, rasgar horizontes e traçar novos rumos. Procurei indiciar, ao longo das últimas semanas, algumas reformas elementares que por calculismo ou falta de vontade política têm vindo a ser sistematicamente adiadas, ignorando a necessidade de dar resposta concreta à clamorosa urgência da reabilitação do sistema político.
Assim, para combater a perigosa tendência para uma crescente profissionalização da política, sugeria uma reforma do sistema eleitoral que criasse os círculos uninominais e acabasse com o sistema vergonhoso de votação em listas fechadas - uma restrição inaceitável da liberdade de escolha dos cidadãos. E recomendava, por outro lado, a limitação de mandatos sucessivos, a imposição do regime de dedicação exclusiva e a redução do número de deputados da Assembleia da República. Como remédio contra a promiscuidade intolerável entre o Estado e os interesses económicos e financeiros, reclamava o drástico agravamento do regime de incompatibilidades dos membros do Governo que deveria abranger tanto as atividades exercidas antes da nomeação dos titulares como aquelas que lhes deveriam ficar vedadas, por vários anos, após a conclusão das respetivas funções. E destacava, também, a importância da promoção de uma verdadeira cultura de transparência que reconcilie os eleitores com a política e justifique a confiança na democracia.
A vinculação dos partidos aos programas que defenderam perante os eleitores em campanha eleitoral é um elemento fundamental para a efetivação da responsabilidade política e a prestação de contas, tornando-se, por isso mesmo, condição da transparência da ação governativa. Rejeitando liminarmente a pretensão de submeter o cumprimento dos programas eleitorais à fiscalização do poder judicial, é preciso reconhecer que a sua violação flagrante e reiterada, não justificada por ocorrências imprevisíveis ou catastróficas, vicia os procedimentos constitucionais de legitimação da autoridade democrática e que a sua impunidade ameaça os próprios fundamentos da democracia.
Naturalmente, cabe aos meios de comunicação social cumprir a sua missão e exercer aqui um escrutínio mais ativo e sistemático. Mas é dos partidos políticos, titulares do monopólio constitucional da apresentação de candidaturas à Assembleia da República, que se devia esperar maior diligência e preocupação em apresentar iniciativas aptas a defender a sua própria credibilidade. Por exemplo, elaborando com suficiente especificação uma lista do que se comprometem a fazer e, sobretudo, do que garantem que nunca farão...
Porventura o maior problema da reforma da justiça - motivo de justa preocupação manifestada recentemente pela procuradora-geral da República - continua a ser "a morosidade". É um problema que não se resolve sem compreender a sua natureza estrutural: "a morosidade" é um instrumento de conversão dos antagonistas ao tempo da justiça, de adaptação das suas expectativas a uma solução em que a probabilidade de sucesso ou deceção não excede os 50%. Claro que quando o decurso do tempo acaba por frustrar a utilidade da sentença, a justiça falha a sua missão. A dificuldade da solução é dupla. Em primeiro lugar, o enclausuramento corporativo da magistratura judicial e a cultura de prudência que segregou. Em segundo lugar, a multiplicação dos recursos que se tornam tão mais apelativos quanto mais cresce a probabilidade de uma decisão adversa e a tentação de frustrar os seus efeitos. A primeira resolve-se pela via disciplinar mas, sobretudo, pelo agravamento da ponderação da morosidade nos critérios de avaliação de desempenho. A segunda, pela limitação das instâncias e das oportunidades de recurso, contra a resistência inevitável dos advogados.