As efemérides são celebradas para unir e mobilizar. A revolução republicana de 5 de Outubro de 1910 comemorou, na quarta-feira, o seu 101º aniversário e o ritual cumpriu, com alguma surpresa e rara felicidade, a missão que lhe cabia. O presidente da República anunciou "o fim das ilusões", prometeu à geração actual grandes sacrifícios e invocou a ética republicana. E foi pela Europa que começou: "Compete-nos a todos nós, povos deste Continente antigo, decidir se queremos uma União que seja um mero aglomerado de mercados ou (...) uma Europa coesa e solidária." Esta crise não é uma doença periférica, não é fruto da preguiça dos povos do Sul ou do esbanjamento de governos perdulários. É resultado da decadência europeia no quadro da competição global e só a Europa a pode enfrentar... se assim quisermos.
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Denunciou o facilitismo, a convicção instalada de que nos bastaria "ser bons alunos" da União Europeia para assegurar o eterno benefício da sua ilimitada abundância. É o presidente quem o diz: "Perdemos muitos anos na letargia do consumo fácil e na ilusão do despesismo". Foram precisamente 26 anos de anestesia. Em nome da miragem do país de turismo e de serviços, destruímos toda a nossa produção agrícola e industrial, cumprindo com exemplar displicência e algum lucro as recomendações da chamada "política agrícola comum" e todas as outras directivas de Bruxelas para abater a frota pesqueira, para acabar com indústrias "anacrónicas" incapazes de competir com os novos concorrentes, para auferir compensações, merecer incentivos e captar subsídios. Ouçamos de novo a mensagem: "Durante alguns anos, foi possível iludir o que era óbvio, pese os avisos que foram feitos dos mais diversos quadrantes". Portanto, ninguém está isento de culpas. Cavaco Silva não exclui responsabilidades próprias mas entenderá que o presidente presta contas pela sua presidência e não por governações presentes ou pretéritas.
É chegada a hora da verdade. O que nos espera, nas palavras do presidente, serão "provavelmente os maiores sacrifícios que esta geração conheceu." E desenganem-se aqueles que esperam resultados certos e os prometem para breve. O presidente afirma: "Temos um longo e árduo caminho a percorrer (...) a disciplina orçamental será dura e inevitável, mas se não existirem, a curto prazo, sinais de recuperação económica", de nada nos valerá o memorando de entendimento subscrito com a troika. E aqui se inscreve a mais importante advertência endereçada ao Governo. Não chega prometer mais austeridade para obter elogios de quem apenas se preocupa com os nossos "desarranjos" contabilísticos e apenas contabiliza o descontentamento dos seus próprios eleitores. Se não conseguirmos reanimar a nossa economia, motivar empresários, criar novas oportunidades para os que perderam os seus empregos e condições dignas para quem trabalha, seremos condenados ao ciclo vicioso da miséria e do endividamento.
Infelizmente, não somos cidadãos de uma "República centenária". Somando os anos da segunda com os da primeira, dará pouco mais de meio século de República dividida por 48 anos da mais longa e anacrónica ditadura europeia do século XX. Mas é na República e no ideário republicano daqueles que fizeram o 31 de Janeiro de 1891, o 5 Outubro de 1910 e o 25 de Abril de 1974 que encontramos inspiração e força para derrotar adversidades. O presidente reconhece que a "cultura republicana implica uma reforma profunda do exercício de funções públicas" e "o exemplo dos agentes políticos". E avisa que o "reajustamento financeiro do Estado e a reorganização da sua estrutura não podem perder de vista a necessidade de corrigir os défices de justiça territorial, social e geracional que vinham corroendo as bases (...) de uma República una e solidária". E a conclusão não poderia ser mais justa e oportuna: "Temos agora a oportunidade de, quer na esfera privada quer na esfera pública, corrigirmos defeitos e erradicarmos vícios que, de outro modo, permaneceriam longe do olhar crítico dos cidadãos".