À primeira vista, poderá parecer incompreensível que o Governo tenha escolhido o caminho mais sinuoso rumo à regionalização, assumida no programa eleitoral e nas sucessivas declarações do primeiro-ministro.
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A via-sacra começa com simbólicas instalações ministeriais fora de Lisboa, guina através de vários pacotes de descentralização, faz um cruzamento para a mudança na lei orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), de forma a receberem novos serviços e competências, ziguezagueia entre serviços em tensão e desemboca, finalmente, numa avaliação dos resultados da qual se faz depender o referendo à regionalização, apontado para 2024.
A complexa corrida de obstáculos parece destinada ao fracasso, mas admita-se porquê: além da ministra da Coesão Territorial e do primeiro-ministro, que lhe tem dado suporte político, ninguém no Governo quer realmente mudar o que quer que seja. E o incidente desta semana entre a ministra Ana Abrunhosa e a colega com a Pasta da Agricultura, Maria do Céu Antunes, mostra com uma limpidez cristalina o incómodo que as mudanças causam.
A polémica explica-se em poucas palavras. Perante a agitação na Agricultura com a transferência para a alçada das CCDR, a ministra da tutela apressou-se a vir a público garantir que nada seria extinto ou alterado, e que os cinco diretores regionais de Agricultura e Pescas passariam a ser vice-presidentes das respetivas CCDR. O que obrigou a ministra da Coesão Territorial a contrariá-la. Se as CCDR vão ter autonomia, serão os respetivos presidentes e não o Governo a escolher a estrutura e pastas dos vice-presidentes. E o objetivo é restruturar e redimensionar serviços, claro, ou a reforma serviria afinal para que tudo ficasse na mesma.
O tema pode parecer complexo para quem está fora dos detalhes. E torna-se ainda mais confuso porque muita da legislação em curso não é pública. Mas salta à vista a enorme resistência dos setores abrangidos em discutir mudanças. Se nem o Governo consegue falar a uma só voz, dificilmente se pode antever bom resultado para as reformas em curso. Na Europa, somos um caso único de centralismo. O país cresce desequilibrado e é todo ele penalizado, mas nem a evidência traduzida em estatísticas e relatórios nos leva a arrepiar caminho. Ou é preguiça, ou uma estranha atração pelo abismo.
*Diretora