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Foi há 20 anos que 60,6 dos votantes no referendo sobre a regionalização rejeitaram essa possibilidade. Mais de metade dos portugueses optou pela abstenção, mas, mesmo assim, concluiu-se que o país não queria ser dividido em (oito) regiões administrativas. De então para cá, registou-se algum esforço para reduzir o crónico centralismo que tomou conta dos lugares de decisão? Houve um assinalável desenvolvimento regional? As respostas são óbvias. Se o país político que decide não gosta de falar de regionalização, tem, pelo menos, a obrigação de trabalhar com mais intensidade ao nível da descentralização.
Regionalizar continua a ser um verbo difícil de declinar por grande parte daqueles que comandam o país a partir da capital. Nesta legislatura, Governo e maior partido da Oposição uniram-se em torno da definição de um pacote de medidas de descentralização. Anteontem, o presidente da República promulgou 11 diplomas a esse nível com o aviso de que há eleições legislativas em 2019, "o que permite aos autarcas, partidos políticos e, sobretudo, ao povo português, através do voto, terem uma oportunidade de expressar a sua opinião sobre a presente matéria". Na Assembleia da República, criou-se mesmo uma Comissão Independente para a Descentralização que está encarregue de fazer uma profunda avaliação sobre a organização e funções do Estado e propor um programa de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos. Até agora, trabalhou-se no plano das boas intenções, mas fez-se muito pouco em prol de um país mais equilibrado, mais descentralizador, mais democrático. E isso deveria preocupar-nos. Muito.
Advogam os opositores da regionalização que o processo pode aumentar a despesa pública e que o país é pequeno, carente de elites políticas capazes de tomar conta de um maior número de instituições e demasiado vulnerável a "jobs for the boys"... Até certo ponto, assim é. No entanto, há que equacionar igualmente o lento desenvolvimento de certas regiões, a crescente falta de coesão territorial, os contínuos movimentos do interior para o litoral, os contextos de colossais desigualdades de oportunidades em que vivem os portugueses...
É tempo de fazer uma revolução. Os decisores políticos não podem assobiar para o lado enquanto estendem uma mão cheia de medidas que pouco valem. O país real não pode aceitar isso. Há, de uma vez por todas, que pensar de forma articulada no desenvolvimento das diferentes regiões do país que tantas potencialidades tem.
Pela minha parte, olho com grande expectativa para a Comissão Independente para a Descentralização e para os programas eleitorais que os diferentes partidos vão apresentar nas próximas eleições legislativas e que começam agora a ser trabalhados nas sedes partidárias. Um conselho: saiam dos gabinetes onde esboçam essas propostas e suspendam reuniões de trabalho que se enchem com os confrades do costume que olham para o país real através de estatísticas ou de noticiários que falam de uma realidade que sobressai em momentos mais disruptivos. Vão ao encontro das pessoas que moram em diferentes zonas do país e que aí instalaram empresas bem-sucedidas, desenvolveram investigações de referência internacional ou criaram projetos inovadores em diferentes áreas ou, simplesmente, estão aí a batalhar por uma oportunidade que a burocracia centralizadora vai obstaculizando... e oiçam o que essa gente tem para dizer.
No atual contexto político é difícil reabilitar a regionalização, mas é muito oportuno abrir um debate em torno da descentralização. É preciso reivindicar a presença de instituições com mais centralidade nas diferentes regiões do país, impor outras competências para o poder local e exigir políticas públicas que, a nível central, olhem efetivamente para as regiões. E, claro, esperar que tudo isso se faça de modo articulado com aqueles que habitam esses territórios. Como é óbvio.
PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA U. MINHO