Vivendo em qualquer ponto do país para lá de Lisboa, todos sentimos o peso da centralização. Portugal pensa-se e, sobretudo, decide-se a partir de Lisboa.
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Somos um país profundamente assimétrico. A regionalização poderia travar muitos desequilíbrios, se houvesse determinação em assumir essa reforma administrativa.
Ao contrário de muitos países, Portugal não tem cidades influentes para além da capital. Porto vive pendurada nas decisões de Lisboa. Braga e Coimbra estagnaram. No interior, nenhuma cidade sobressai. Tão-pouco a sul. Num país tão pequeno como o nosso, impressiona o atraso regional. E a falta de elites fora da capital. Enunciemos uma dúzia de nomes do chamado resto do país com projeção nacional. É difícil, não é? Ora, este árduo exercício diz muito daquilo que somos. Olhemos, por exemplo, para Espanha. Barcelona, Valência e Bilbau são exemplos de cidades cosmopolitas, revigorantes do ponto de vista económico e culturalmente atrativas. Estamos muito longe desta realidade...
Sem polos de decisão e sem pensamento crítico fora de Lisboa, o país não ganha escala nacional, nem tão-pouco força regional. Para conquistar dimensão, qualquer instituição ou organização tem de se projetar fora do território onde se enraízam, ou seja, necessitam de se desterritorializar. É confrangedor. E não se pense que tem sido feito caminho nas últimas décadas. Lisboa continua a olhar para fora de si como uma realidade algo provinciana a quem é preciso dar, de quando em vez, alguma atenção em prol de uma cidadania de baixa intensidade que é preciso cumprir. E o país continua a prestar vassalagem à capital em busca de uma influência que nunca conquistará.
Participando há uns meses numa reunião científica na Universidade de Coimbra, uma das investigadoras sublinhava, durante o almoço, que sentia a cidade mergulhada num visível marasmo. "Coimbra está pior do que Braga", atirou a certa altura da conversa para mim e para a colega da Universidade do Minho que a ladeavam num dos lados das mesa. Do outro lado, estavam colegas de Lisboa que acenavam freneticamente com a cabeça, querendo partilhar o anedótico elogio à nossa cidade. Poderia este ser um episódio risível, se não encerrasse em si um certo modo de olhar para o país.
Esta quarta-feira, o "Jornal de Notícias" lembrava que a maioria dos países da Europa tem governos regionais. Portugal resiste a essa realidade. Erradamente. Hoje somos um dos países mais centralizados. Não é preciso fazer estudos aprofundados para atestar o nosso atraso. Todos nós o sentimos. Na mesma edição do JN, o secretário-geral do Conselho dos Municípios e Regiões da Europa reconhecia haver espaço para um nível intermédio de governação, defendendo que "as regiões são valiosas para o desenvolvimento económico e para assuntos que devem ser organizados a um nível territorial relevante". Falta saber se existirá vontade política e consenso partidário para avançar com esta revolucionária reforma. E se os cidadãos se mobilizam para defender uma reforma que faria progredir o país, dando mais futuro às gerações vindouras que insistem habitar territórios distantes da capital...
Por diferentes razões, os políticos não estão interessados em arrastar este tópico para os respetivos programas a sufragar nas eleições legislativas. Enquanto cidadãos, temos a obrigação de exigir que o debate se promove. Portugal parece ser, em grande parte da sua extensão, um país condenado a deixar morrer o futuro. Não é essa a herança que procuro deixar ao meu filho. Tão-pouco o quero empurrar irremediavelmente para a capital ou para fora do país, como se esse fosse o chão para todos os sonhos. É preciso dar outro impulso às nossas regiões. E isso passa também por as dotar de mais autonomia.
*Professora Associada com Agregação da Universidade do Minho