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O Poder Local é um pilar sólido da nossa democracia. Mas, num contexto político cada vez mais fragmentado, importa refletir sobre se o quadro legal dos municípios continua adequado aos desafios atuais.
Pensemos num município com 99 mil eleitores, onde a força mais votada não tem maioria na Câmara. A consequência? Decisões estratégicas e até administrativas deixam de ser tomadas com rapidez e eficiência. Com as autarquias a assumirem novas competências, é realista garantir respostas em áreas decisivas se tudo depender de reuniões quinzenais ou de negociações constantes que atrasam até o essencial?
Faz sentido ter câmaras a reunir quase diariamente, consumindo tempo técnico e político que devia estar dedicado a executar?
Outro exemplo: nesse município de 99 mil eleitores, o presidente só pode designar dois vereadores a tempo inteiro, ficando qualquer reforço dependente da Oposição.
É viável governar um território desses, com as atuais competências, com apenas três eleitos a tempo inteiro? O resultado? Investimentos que se adiam, equipamentos que tardam, territórios que estagnam. Uma realidade insustentável, política e operacionalmente. Por isso, é necessário refletir sobre se o atual modelo, pensado para outro contexto, continua adequado.
Faz sentido que a Câmara - o órgão executivo - integre forças que estão politicamente interessadas em que não exista execução? Faz sentido manter um sistema que favorece bloqueios e incentiva a ingovernabilidade?
O que serve as populações é simples: que quem vence eleições possa executar e depois prestar contas; e que quem fiscaliza tenha meios reforçados para o fazer com rigor e transparência.
A revisão do quadro legal deve assentar nestes dois pilares: câmaras com capacidade de execução e assembleias municipais com poderes de fiscalização efetivos, garantindo equilíbrio e escrutínio.
O Poder Local precisa de mecanismos que permitam decidir, não de entraves que paralisam. Rever a lei autárquica não deve ser tabu. Deve ser um passo natural num país que confia nas suas câmaras municipais e lhes exige resultados.
Se queremos câmaras capazes de responder às exigências do século XXI, então é tempo de atualizar o seu enquadramento legal. Porque a democracia não se esgota na escolha dos representantes: ela pressupõe que eles tenham meios reais para cumprir o que prometeram.
Uma revisão ponderada e responsável das leis eleitorais autárquicas e dos poderes dos seus órgãos é, hoje, indispensável para honrar esse compromisso.

