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Lembro-me de o meu primeiro ídolo ser Angela Merkel e de preferir o PSD ao PS quando Manuela Ferreira Leite era presidente do partido. Aos seis anos não percebia propriamente sobre política monetária, mas seria um flagelo minimizar a razão claramente ideológica por trás das minhas preferências.
“Eu gosto delas porque são mulheres”, costumava dizer. “E a Merkel usa um fato!”, acrescentava, com algum fascínio. Não é que os anos 2000 fossem os anos 60 e não houvesse lugar para mulheres em posições de poder (ou uma obrigatoriedade de usar somente vestidos!), mas parecia-me insuficiente. Felizmente, cresci numa era e num local que progressivamente mais celebrava a participação da mulher como membro ativo da sociedade.
Talvez seja isso que enquanto estudante, trabalhadora e mulher me incomoda tanto nos últimos tempos: a recessão (sim, não regressão) dos valores da sociedade.
É impossível dizer que os crimes de ódio contra mulheres (que têm vindo a aumentar, como indica o aumento de crimes de violência doméstica, bem como outros casos já cobertos pela comunicação social) não são um problema económico, e que representam apenas um problema socio-político.
34% das mulheres entre os 25 e os 64 anos são licenciadas em Portugal, que é dos países da UE com maior participação feminina no mercado de trabalho. Em tempos, o seu contributo foi apreciado e valorizado, mas com a regressão para ideais conservadores (e até mesmo fascistas) partilhados nas redes sociais, a mensagem de que o lugar da mulher é em casa tem ganho popularidade. A desumanização da sua própria identidade de género também, e o que começou com a ridicularização do cor-de-rosa, passou à violação da sua privacidade e intimidade.
Isto representa um problema económico, pois minimiza o contributo tão importante da mulher para a atividade de um país, sendo ela responsável por uma parte bastante considerável do produto interno. Numa sociedade que tende a arranjar desculpas para o agressor e que culpa a vítima pela exposição a que foi submetida forçosamente, chegando até a castigá-la, isto é um problema económico, que afeta a capacidade do exercício da sua vida profissional e, em situações extremas, chega a limitá-lo.
“É por estas e por outras que este país não anda para a frente”. Concordo. A evolução só é conseguida através do progresso, e não através de uma regressão provocada pela romantização de tempos “melhores”, em que as casas eram acessíveis e um café custava cinquenta cêntimos.