Corpo do artigo
O discurso que António Costa proferiu em Estrasburgo, somado ao de setembro, em Bruges, representa um momento importante na afirmação europeia de Portugal. O primeiro-ministro de um governo cuja sustentação parlamentar passa pelo apoio de dois partidos antieuropeístas deu uma prova insofismável da sua determinação em colocar de novo Portugal no coração da política europeia. E deixou claro que, não obstante essa aliança conjuntural no plano interno, não prescinde de ter as mãos livres para atuar com imaginação e audácia no quadro europeu. E isso são muito boas notícias para Portugal.
Há que reconhecer patéticas as vozes da oposição neste debate. O CDS europeu está hoje refém, e assim vai continuar, do radicalismo de Nuno Melo, com aquele estudado ar zangado, em busca dos adjetivos mais desagradáveis que consiga descortinar, no seu baralho de acrimónia lexical. Ao seu lado, Paulo Rangel, um homem que, quando quer, pensa bem e tem, a espaços, fogachos europeístas, parece ter já iniciado um percurso tático para a sua recandidatura a cabeça de lista do PSD ao Parlamento europeu, o que o obriga a esforços artificiais de demarcação do governo. É em figuras como Carlos Moedas, no seu modo clarividente de olhar o projeto europeu, que hoje assentam as esperanças nessa área política. Rui Rio, se quiser retomar o caminho de um PSD europeísta, não deveria desprezar os conselhos do comissário europeu indicado por Portugal.
Portugal regressou à Europa. Depois de alguns anos de "silêncio" europeu, António Costa tem sabido colocar a voz portuguesa no lugar certo, em Bruxelas e em Estrasburgo. Ao reconhecimento do esforço macroeconómico feito por Portugal, surpreendendo pela sua compatibilização com as reposições de rendimentos, somou-se a consagração de Mário Centeno na coordenação do euro. Para quem pensava que o primeiro-ministro português era apenas um pragmático à cata do vento dominante, o seu discurso revelou uma visão ousada dos interesses europeus - das exigências na governação do euro ao imperativo de novos recursos, passando por um conjunto coerente de opções sobre o futuro de certas políticas e sobre a necessidade de uma Europa "ética".
O nosso país sempre ganhou quando, na Europa, defendeu perspetivas de aprofundamento e de reforço da integração. E quando colocou as suas credenciais europeias sobre a mesa, como António Guterres soube fazer, como António Costa agora fez, por exemplo, ao afirmar que Portugal estava disposto a aumentar a sua contribuição para o orçamento comunitário.
O primeiro-ministro está, neste domínio, acompanhado, com toda a certeza, pelo presidente da República. Não sendo possível contar com o PCP e com o Bloco, com o radicalismo soberanista do CDS a fechar a porta a qualquer compromisso, que tem a dizer o novo PSD a tudo isto?
* EMBAIXADOR