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O país, este nosso país possível, ficou a saber que 28 mulheres magistradas em idade fértil constituem grave “constrangimento” ao funcionamento do Ministério Público.
Houve tempos, em Portugal, num passado não muito distante, em que as mulheres não podiam ser magistradas. Apenas os homens podiam trabalhar como procuradores. Antes, as mulheres também não podiam ser médicas nem exercer outras profissões. Ou, ainda, só podiam exercer certas profissões mantendo-se solteiras. Porém, houve sempre mulheres a trabalhar dentro e fora do espaço doméstico, nos campos, nas fábricas, nas escolas, nos hospitais, nas suas casas. Admito que possam existir saudosistas desse passado!
Felizmente, o mundo mudou e as mulheres do meu país, mesmo tendo muitos obstáculos a ultrapassar, podem estudar o que estiver ao seu alcance, podem ser polícias, militares, taxistas, engenheiras, advogadas, juízas e magistradas. Muitas trabalham em fábricas, nas lojas, nas escolas, nos tribunais. E para todas existe a garantia de direitos sociais, de proteção na gravidez, licenças de maternidade, condições para assistência e acompanhamento das crianças.
Os direitos sociais têm custos e exigências. Custos financeiros suportados pelo Estado e pelas entidades empregadoras, bem como exigências de organização e de planeamento do trabalho e das atividades. Há entidades empregadoras que não estão dispostas a suportar tais custos e encontram modo de dispensar mulheres em idade fértil ou com crianças pequenas, apesar de a legislação não o permitir. Mas há também muitas empresas e organismos da administração pública onde a maioria dos trabalhadores são mulheres de todas as idades e isso não é apontado como problema. Com responsabilidade, fazem a necessária gestão e planeamento.
Da intervenção da senhora procuradora-geral da República, Lucília Gago, a parte que eu não compreendi é se a solução para os “constrangimentos” do Ministério Público está em voltar ao passado, e não permitir o acesso das mulheres à magistratura, sobretudo se forem jovens, ou se está em acabar com os direitos sociais das mulheres. Evidente é que a existência de 28 mulheres com menos de 30 anos em mais de 1700 funcionários não oferece dificuldade de organização e planeamento. Qualquer diretor de recursos humanos sabe gerir situações similares, mesmo que, por absurdo, as mulheres engravidassem todas ao mesmo tempo. Conhecimento e competência que parecem não existir no Ministério Público. Apenas saudades de um passado sem mulheres e sem direitos.