Confusão, angústia, revolta. As dificuldades são grandes. Somos inundados de informação, quantas vezes contraditórias. São tempos da economia do sobe e desce, das bolsas, dos juros, dos preços, do desemprego, do crescimento. Os detalhes são tantos, e tão técnicos, que nos confundem. Os cenários políticos, cruzados com a economia, tornam o quadro ainda mais negro.
Corpo do artigo
A resultante é ininteligível. Pior que o presente apenas o futuro, incerto no imediato e até onde se consegue alcançar, o optimismo reservado para horizontes longínquos e problemáticos. Poucos são os que escapam à tormenta, tenham ou não contribuído para ela. Em muitos, em especial nos mais pobres e fracos, a sensação de impotência vai dando lugar à revolta.
O ambiente é propício à demagogia e ao populismo extremista, os únicos que conseguem, parece, ver claro no meio da confusão reinante. Voltam os amanhãs que cantam, como se não tivessem um passado tenebroso de que os povos, mal puderam, se libertaram. Indiferentes, agentes económicos e políticos internacionais continuam a tolerar, ou promover, obscuros jogos de capital que desrespeitam os mais básicos valores civilizacionais, fazendo perigar a própria democracia, quer pelo que significariam se vencessem quer pela revolta que induzem.
Num quadro destes é preciso a sensatez que permita salvaguardar os alicerces fundamentais da sociedade sobre os quais se possa construir um novo modelo de desenvolvimento. Como se diz na mensagem da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) "não é a primeira vez na nossa história que os sobressaltos na vida habitual e nas expectativas normais se tornam ocasiões de consciencialização e decisão colectivas. Aproveitemos este momento, que não desejávamos, para aprofundar valores que não deveríamos esquecer nunca, pois são a própria base duma sociedade justa e saudável". A democracia "só acontece onde todos se reconhecem, respondendo cada um pelo que faz ou não faz, à luz de valores e direitos que a todos interessam e suportam. O capital provém do trabalho que, realizando a pessoa humana, mantém prioridade absoluta. Nem podemos abster-nos da vida democrática, nem devemos cair nas mãos de novos senhores sem rosto. Também aqui se há-de respeitar a verdade, condição básica da justiça e da paz".
Perante a magnitude dos problemas, há quem tenha uma legitimidade e responsabilidade institucional acrescida na identificação e promoção dos denominadores comuns entre os agentes e instituições políticas, económicas e sociais. Delegar tudo seria, porém, um erro: não podemos abster-nos da vida democrática, de participar e dar o nosso contributo. De erguer a voz, mesmo que isso vá contra a corrente da contestação politicamente correcta. No nosso caso, não foram só os negócios financeiros pouco transparentes e destituídos de ética ou o seu conúbio com a governação que nos trouxeram até aqui. Uma sociedade anestesiada pela omnipresença estatal, e comandada pelos jogos de interesses que nele se instalaram, facilitou o desmoronamento do edifício. Ainda a CEP: "alimentámos, ou alimentaram-nos, aspirações que agora são impossíveis de concretizar". Tentar perpetuar ilusões é um equívoco simétrico ao daqueles que insistem na repetição do jogo sem alterar as regras. Esta crise será uma oportunidade para nos recentrarmos nos "valores e princípios fundamentais (..), concretizados em quatro pontos axiais: a dignidade da pessoa humana; o bem comum; a subsidiariedade, que suscita e apoia a contribuição específica de cada corpo social; e a solidariedade, expressão da fraternidade, que nunca procura o bem particular sem ter em conta o bem de todos". Não é em vão que a mensagem da Conferência Episcopal se chama "esperança em tempos de crise". Um pequeno documento, um contributo fundamental para repensarmos Portugal.