Não fez um ato de contrição pelos vários erros que cometeu, nem explicou as dezenas de demissões no seu Governo nestes últimos dias. Disse que "o espírito de manada" determinou tudo e que sai triste por deixar "o melhor emprego do mundo". É isto que se salienta da comunicação que o primeiro-ministro britânico fez ontem para anunciar a sua demissão. Eis um político que operou uma revolução no seu país, tirando-o da União Europeia, e sai deixando uma nação completamente desgovernada.
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Era uma demissão esperada. Poderia ter sido por causa das várias festas com álcool em Downing Street durante a fase mais severa da pandemia e, depois, por ter mentido no Parlamento quando confrontado com isso; poderia ter sido por causa de um Brexit que não cumpriu parte dos propósitos anunciados; poderia ter sido por causa da confusão de folhas quando proferia um discurso na Confederação da Indústria britânica onde acabou a falar da Porquinha Peppa. Saiu a reboque da nomeação para líder parlamentar de Chris Pincher sobre o qual Boris Johnson tinha recebido denúncias de assédio sexual. O efeito de dominó que tal decisão provocou no Governo revela um executivo completamente à deriva. Há já muito tempo.
Às vezes, torna-se difícil perceber como certas pessoas se perpetuam em lugares de liderança durante tanto tempo. É o caso de Boris Johnson. Ninguém nega que a vitória eleitoral nas eleições de 2019 constituiu um enorme trunfo para si (sublinhado, aliás, na comunicação de ontem), mas há muito que este homem era um passivo para o seu partido e, sobretudo, para o país. Sendo um hábil estratega, Boris Johnson ganhou relevância na campanha do Brexit, prometendo um oásis para o país, fazendo promessas inviáveis, como a de que a nova condição do Reino Unido proporcionaria ao Serviço Nacional de Saúde mais de 350 milhões de libras por semana (!).
Desta vez, não conseguiu mais gerir uma outra crise interna do seu Governo. Nos últimos dias, houve mais de 60 demissões no seu Governo, uma das mais relevantes foi a de Nadhim Zahawi, o recém-nomeado ministro das Finanças. Aceitou o convite terça-feira e ontem renunciou ao cargo, justificando a sua saída com um comunicado que descredibiliza com veemência o primeiro-ministro.
E agora o que vai acontecer? Mais uma vez, os conservadores vão entrar numa luta fratricida, saindo deste processo profundamente divididos. Abre-se, pois, uma oportunidade para os trabalhistas. Vamos ver quem aproveita melhor esta crise. E apresenta um projeto credível para um país com uma grave inflação, a braços com greves intermináveis e com uma insegurança energética sem soluções à vista.
Prof. associada com agregação da UMinho