Relação entre solidariedade e confiança mútua na Europa
Há quem ache que a resposta europeia a esta crise será igual a todas as outras: primeiro, o caos, seguido de uma solução subótima... Será isto, desta vez, suficiente? Estranhamente, uma crise em que a União Europeia não tem qualquer responsabilidade (não está na origem do vírus e as competências na saúde são dos estados) está a tornar a UE ainda mais impopular que a crise de 2011.
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E a UE até tem auxiliado os estados dentro do seu orçamento limitado (apenas 1% do PIB) e suspendeu a aplicação das regras europeias que poderiam colocar qualquer entrave às respostas nacionais à crise (incluindo em matéria de disciplina orçamental). E o BCE tornou claro que fará o necessário para garantir a capacidade de financiamento de todos os estados.
Mas isto não basta. É exigido que a União dê a resposta que os estados não estão em condições de dar. A crise económica vai exigir um volume de financiamento tão elevado que suscita duas preocupações nos estados economicamente mais frágeis: será a intervenção do BCE suficiente para continuar a assegurar o seu financiamento em boas condições?; mesmo que seja, será sempre mais dívida para países (como o nosso) já fortemente endividados... É isso que explica a posição portuguesa, e de outros, defendendo a emissão conjunta de dívida entre todos os estados (os coronabonds). Pensou-se que o facto desta crise ter origem num choque simétrico (o vírus atingiu todos) facilitaria isso e evitaria a preocupação com o risco moral (não se trataria - como em 2011 - de "premiar" as más políticas de alguns estados). Mas nem isso convence alguns deles: não querem partilhar do risco e custo reputacional dos outros e temem outro risco moral (que estes financiamentos possam ser desviados para outras finalidades nalguns estados). A falta de confiança mútua impede a solidariedade, mas a ausência desta traduz-se num reforço da desconfiança. Um círculo vicioso, potencialmente destrutivo. Há dois caminhos possíveis. O mais provável é a solução subotimal: usar o ESM para fazer o papel dos coronabonds (o que permitiria também impor condicionalidades aos estados que solicitarem esse financiamento...). Mas, para além de ser mais caro, os volumes de que se fala são insuficientes e seria sempre mais dívida para esses estados (tal como, aliás, acontece com os coronabonds...). A outra solução é pensar fora da caixa. A minha proposta: uma emissão de dívida da própria União Europeia (que já o faz, em quantidades limitadas, e teria de alargar os seus recursos próprios para a garantir) destinada a financiar um seguro europeu de desemprego ou, no curto prazo, um instrumento de assistência direta aos pagamentos dos salários nas empresas em proporção à queda da sua faturação. Isto superava o risco moral entre estados e não aumentaria a dívida dos próprios estados.