Renascer das cinzas
A Europa renasceu das cinzas após o rescaldo da Segunda Guerra Mundial e a insuportável vergonha do Holocausto. A Guerra Fria conservou estas memórias durante meio século. Em competição encarniçada com as experiências socialistas no leste da Europa, na Ásia e, em modalidades diversas, na África e nas Américas, o ocidente europeu foi capaz de construir uma democracia social de tal forma convincente e atrativa que, com a derrocada do império soviético, se tornou possível impor ao Mundo o nosso modelo de organização política pluralista e de representação democrática constitucional, com poderes separados, direitos fundamentais garantidos por tribunais independentes.
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Já depois da queda do muro de Berlim, foi o exemplo de uma Europa capaz de conciliar o respeito pelos direitos humanos na ordem interna e na ordem internacional que persuadiu os povos do Mundo de que a liberdade e o capitalismo eram realidades compatíveis e, sobretudo, de que o único caminho para a paz e a felicidade dos povos era o chamado "mercado livre" apregoado pelos vencedores da Guerra Fria. Uma frágil ilusão, rapidamente desmentida, após uma década de perversas ambiguidades, pela alegada ameaça do fundamentalismo islâmico que iria fazer soar os tambores da guerra em setembro de 2001, sob a batuta de George W. Bush e seus apaniguados! A Europa nada aprendeu com a aventura iraquiana e enquanto assiste impotente ao alastrar do terror na Síria, na Líbia, na Palestina e no Egito, sobressalta-se agora na Ucrânia e, sem memória já da Guerra Fria, ali se predispunha a abrir novas frentes de batalha.
Enquanto no plano externo a política europeia tem primado pelo improviso, a hipocrisia e a confusão, já nos assuntos domésticos a gestão incompetente da crise da moeda única engendrou as chamadas "dívidas soberanas" e ameaça condenar os países mais endividados a uma indigência crónica que, se não for combatida com instrumentos adequados e novas políticas, acabará por conduzir o projeto europeu à sua inelutável desagregação. Por tudo isso, as eleições de domingo para o Parlamento Europeu são de extrema importância. Espera-se dos novos poderes que vai assumir na próxima legislatura que daí saia não só um Parlamento mais influente mas também uma Comissão mais forte, com real autonomia perante o Conselho Europeu e os estados-membros mais poderosos.
Ao acréscimo de democraticidade da União deve corresponder o aumento substancial de recursos próprios a inscrever no Orçamento comum. No dia 25 não nos vamos limitar a eleger 21 embaixadores de Portugal em Bruxelas e Estrasburgo. Na pluralidade de correntes que nos representarão no Parlamento Europeu, na proporção das preferências manifestadas pelos eleitores, múltiplas interpretações do interesse nacional irão competir. O que esperamos dos deputados que vamos eleger é que possam contribuir para uma clara rutura com a passividade cúmplice do atual Governo que, de forma passiva e subserviente, submeteu o povo português ao empobrecimento generalizado, ao desemprego, à emigração e à degradação do valor do trabalho, sem outro fim que não fosse o de servir os interesses financeiros que asfixiam a nossa economia e de concretizar as opções ideológicas que lhe conhecemos. Precisamos de uma Europa mais generosa e solidária, consciente do valor do trabalho e respeitadora da dignidade humana, mais justa e mais forte. Precisamos de deputados europeus ativos e influentes, que tragam para Portugal a discussão pública das politicas comuns e que devolvam aos cidadãos a esperança numa Europa que mereça de novo o respeito dos povos.
in memoriam
Queria lavrar o testemunho da minha sincera mágoa pela partida do Senhor D. Eurico Dias Nogueira, arcebispo emérito da diocese de Braga. Evoco com saudade a sua inteligência e cultura, o seu espírito aberto, a sua coragem e solidariedade. Beneficiei do seu convívio e do privilégio da sua amizade, também em momentos difíceis. O meu profundo respeito e a mais grata admiração.