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No fim do ano, o JN pediu aos membros do Conselho Editorial para elegerem as suas figuras, nacionais e internacionais, do ano. Indiquei Vítor Gaspar como a personalidade portuguesa que marcou 2012. Fi-lo, como na altura expliquei, por simetria com Angela Merkel que considerei a protagonista internacional. Se fosse hoje, teria indicado João Proença.
O grande economista e sociólogo Albert Hirschman, recentemente falecido, defendia que, em muitas circunstâncias, as soluções institucionais, baseadas no que designou mecanismo da "voz", podiam ser mais eficientes, na afectação de recursos, do que as que resultavam do funcionamento puro e duro do mercado. Ao veicularem o sentir dos trabalhadores, as suas avaliações, frustrações, sugestões, expectativas e anseios, os sindicatos são, potencialmente, um instrumento poderoso de voz, fornecendo aos empresários e gestores sinais e informações que, de outro modo, estes teriam dificuldade em obter. Já não enquanto "voz" mas como estrutura de informação, os sindicatos veiculam junto dos seus filiados elementos importantes para a percepção da situação da empresa e do sector, parte deles decorrentes das negociações que possam ter sido estabelecidas. Se o mecanismo de "voz" for adequadamente exercido, e as suas virtualidades forem entendidas pelas organizações patronais, pode ajudar a obter soluções integradoras das quais resultem benefícios para a empresa e para os trabalhadores.
A concertação social pode ser entendida como uma forma de generalização deste mecanismo. Quase sempre ofuscado pelo estrépito, inconsequente, da CGTP, João Proença tem sabido interpretar o papel da concertação social, extraindo dela acordos e concessões que, a prazo, se têm revelado vitais para a defesa dos interesses dos trabalhadores, mesmo quando, no imediato, parecem cedências. Acusado de traição por uma leitura e prática do sindicalismo que parou no tempo, o actual secretário-geral da UGT tem sabido fazer uma análise concreta da situação concreta, distinguindo o essencial do acessório e sendo capaz de colocar os interesses estratégicos dos trabalhadores acima da guerrilha conjuntural, radical e populista, capaz de mobilizar manifestações, mas ineficaz em termos de resultados.
Na crise profunda de que o país não parece capaz de sair, o crescimento é a única forma de melhorar o bem-estar dos trabalhadores, designadamente propiciando a indispensável criação de emprego. Vários estudos vinham demonstrando que, em maior ou menor medida, a excessiva regulamentação vigente nas relações laborais se tornavam um obstáculo ao desenvolvimento económico. Para uns, o problema só se resolveria com a total liberalização do mercado de trabalho. Ignoram o quadro institucional e histórico, propondo-se importar e aplicar modelos sem qualquer relação com a nossa realidade económica e social. No pólo oposto, mas igualmente desfasados da realidade, encontram-se os que gostariam de cristalizar o tempo. Sem qualquer perspectiva estratégica, fazem da defesa dos chamados direitos adquiridos o seu modo de vida. Estas duas posições extremas estão bem uma para a outra. Justificam-se reciprocamente. Intrometer-se no meio delas exige coragem e visão. João Proença (com o auxílio precioso de Silva Peneda) ousou fazê-lo, travando o radicalismo governamental e de alguns dos sectores mais extremistas do patronato. Pouco importa, agora, se cedeu em demasia ou se aquele foi o acordo possível. A verdade é que, hoje, Portugal não se afasta da média europeia no que à regulamentação do mercado de trabalho diz respeito. Não é por aí que não atrairemos investimento estrangeiro ou não cresceremos.
Insensível aos ganhos conseguidos e ao que significam, incapaz de perceber o que custaram alcançar, sem qualquer respeito pelas pessoas e instituições com quem negociou, preocupado apenas em agradar ao dono, o Governo dá mais uma prova de insensatez e arrogância ao avançar com a redução das indemnizações por despedimento. Falta ao compromisso, atraiçoa. Homem de palavra, João Proença deu-lhes a resposta devida. Irresponsáveis ou só incompetentes?
