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Por estes dias, parte do meu trabalho foi preenchido a avaliar currículos para dois concursos académicos distintos. Um de natureza nacional, outro mais circunscrito territorialmente. Em ambos, sobressaiu a mesma tendência: a dificuldade que, em regra, os estudantes portugueses evidenciam em criar um currículo diversificado e de qualidade. E isso não é uma falha que deva ser imputada apenas aos alunos, antes reflete um sistema de ensino superior algo autotélico e uma sociedade demasiado centrada em títulos académicos e algo desinteressada em promover jovens autónomos que chamem a si, desde muito cedo, a responsabilidade da construção do seu próprio percurso profissional.
As universidades nem sempre são espaços de saber criativo, inovador, comprometido com o progresso e o bem-estar sociais. Por variadíssimas razões. Porque as carreiras dos professores se declinam em métricas que se vergam, acima de tudo, a lógicas quantitativas: o número de artigos publicados, de comunicações proferidas, de júris feitos... Porque os alunos deixaram de ser o centro do trabalho dos docentes, não havendo grande disponibilidade para criar projetos que iniciem os mais novos noutras práticas, para além daquelas que testam as suas capacidades para reproduzir conhecimento. Porque muitos departamentos se imobilizaram num quadro de docentes envelhecido que não se reinventa. Esta situação é amplamente conhecida, e muito lamentada, entre aqueles que trabalham nas universidades portuguesas, mas parece ser difícil fazer a revolução que se impõe. E isso tem profundas consequências na sociedade que vamos construindo. Sem professores mobilizados à volta de programas dinâmicos nunca poderão existir estudantes motivados em abrir novos caminhos.
Por outro lado, em termos sociais, valoriza-se mais um grau (de licenciatura ou de mestrado) do que aquilo que um diploma pressupõe. E isso nem sempre está certo. Porque um diplomado poderá estar muito para além (ou aquém) daquilo que uma média final de curso reflete. É verdade que as unidades curriculares são, por regra, incapazes de incorporar aquilo que um estudante vai fazendo fora das aulas, porque a avaliação está mais direcionada para programas previamente definidos. E isso não empurra os mais novos para a descoberta de outras realidades. Não está certo. Porque há um mundo em mudança que é preciso experimentar. De várias formas. São raros aqueles que se arriscam a tal empreitada.
Segundo o mais recente Eurostudent, Portugal é um dos países onde os estudantes mais dependem dos pais para tirar um curso superior. Porque ainda é preciso deslocalizar a casa para estudar em certas universidades e isso é dispendioso; porque o desemprego jovem é uma realidade; porque se impõe a aquisição de certas competências para experimentar o mercado de trabalho... Estas são algumas razões que poderão ser invocadas, mas que ninguém venha atirar para dentro da discussão a falta de tempo. Há tempo para tudo. Apenas parece não haver espaço para aprendizagens diversas. É paradoxal.
Com um mercado de trabalho cada vez mais exigente e com um sistema de ensino superior que multiplica pós-graduações, a seleção faz-se sobretudo através de um currículo. Se assim é, não seria tempo de repensar os percursos académicos? Uma média final já não serve para selecionar os melhores. Precisamos de outras competências. Que não se aprendem apenas dentro de salas de aulas, nem são debitadas numa escala até 20 valores. Nas universidades, os professores têm de desafiar mais os alunos para outros projetos; em casa, é necessário motivar os jovens para outras aprendizagens. Porque o saber é muito mais do que aquilo que se ensina em determinado curso.
Prof. Associada com Agregação da UMinho