A previsão de que Portugal deverá antecipar, em um ano, o objectivo de trazer o défice público para 3% do PIB pode ser uma das melhores notícias dos últimos tempos. Há alturas em que se tem de ser realista. A União Europeia não soube gerir o pós-crise, deu de si uma imagem de hesitação e incapacidade (habitual, aliás), deixando que os mercados financeiros apontassem o fogo a algumas economias menos disciplinadas e mais frágeis? A Alemanha não percebe que a solidariedade lhe dava mais autoridade moral que o garrote e que uma política expansionista interna lhe poderia ser mais útil no médio prazo? Os governos do G7 e G20 falharam na coordenação das suas políticas, não lhes dando continuidade, permitindo que a ortodoxia financeira voltasse a imperar? Nós, pusemo-nos a jeito e arrastámos os pés? Estes e outros argumentos poderiam ter sido discutidos, subscritos ou recusados. Agora é tarde. Para uma pequena economia, como a portuguesa, exposta, pelo endividamento excessivo, aos humores dos operadores financeiros, o jogo passou a estar feito. Há prioridades e escolhas na afectação dos recursos - isso distingue as opções políticas. A resultante, contudo, terá de ser a mesma: um percurso acelerado para a redução do défice e a contenção do crescimento da dívida. Quanto mais consistente e seguro for o caminho que nos propomos percorrer, maior a sua credibilidade e a probabilidade que a nossa reputação melhore, embaratecendo o crédito e, sobretudo, disponibilizando-o.
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Mesmo os apóstolos dos cantos de sereia sabem que não há escapatória. Apenas o oportunismo político, de quem nunca será poder, o permite negar. Não os menosprezem, porém. Segundo a lenda, sabedor do perigo, Ulisses mandou os seus homens amarrarem-no ao mastro do navio e tapou os ouvidos com cera. Hoje, pelo contrário, parece haver cada vez mais gente que se predispõe a deixar-se encantar. E perder.
Voltemos ao início: a notícia é boa. Como será lida? Como mera maquilhagem, de quem percebeu o jogo mas não quer mudar? Se assim for, nada de bom sucederá. Já se o esforço proposto for entendido como sério, pode ser que a nossa situação nos mercados financeiros internacionais melhore. A meta traçada é audaz. Se a vamos conseguir alcançar é tanto mais problemático quanto o resultado dependa de factores que o Governo não controla. É o caso da receita. Quando antecipa uma desaceleração da actividade económica para os próximos dois anos, não é óbvio como vão ser conseguidas as verbas anunciadas. Mesmo que as conseguisse, não mexendo na dimensão do Leviatão, mal haja uma pequena recuperação da economia, os interesses instalados no aparelho de Estado encarregar-se-ão de nos reconduzir ao caminho do abismo. A reputação passa por criar irreversibilidades. Isto é absolutamente claro. Também para aqueles de quem depende a nossa reputação nos mercados financeiros internacionais. Se os quiser convencer, o Governo vai ter de explicar muitas bem as coisas. A eles e a nós.