Resgatar os recreios em escolas sem telemóveis
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Lembro-me bem da minha perplexidade, quando percorri os corredores de uma escola de grande dimensão antes do início das aulas da manhã e me deparei com estudantes amontoados nos corredores com o olhar enterrado em ecrãs de telemóveis. Ali percebi melhor os problemas que este tipo de consumo coloca à Escola. Foi acertada a determinação das direções que proibiram o uso de smartphones nos seus estabelecimentos de ensino. E, claro, é de saudar a decisão do Governo em generalizar agora essa restrição a todos os estudantes do 1.° e do 2.° ciclos.
Para além do som das gargalhas e dos gritos das corridas, os recreios dos mais novos passam a acolher crianças que olham umas para as outras em vez de permanecerem paralisadas diante dos telemóveis. Mais do que uma resolução administrativa, a proibição dos telemóveis constitui um resgate do valor dos recreios. Os dados oficiais confirmam tal constatação.
Segundo o relatório do PlanAPP – Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas que procurou fazer o diagnóstico do uso de smartphones da Escola, metade dos estabelecimentos escolares que impediu esse uso registou uma redução substancial de casos de indisciplina e de bullying e um aumento de socialização entre os alunos. Os bancos foram substituídos por campos desportivos e outros espaços de convívio, notando-se mais movimento, mais interações, mais empatia... Tal retrato reflete o profundo impacto de uma restrição que se centra em crianças com idades até aos 11/12 anos, franja etária em que a socialização começa a desenhar-se fora do núcleo familiar e aí a tecnologia, quando mal gerida, pode ter consequências fortíssimas na respetiva vida emocional, algo terrível e realisticamente espelhado na série da Netflix “Adolescência”.
Impedindo o uso do telemóvel, a Escola não apaga a tentação de transformar essa tecnologia num megafone da crueldade instantânea, mas quebra um ciclo de exposição, retirando combustível a conflitos que facilmente se adensam em redes sociais de consumo incontrolado. Seria bom que nesse tempo também coubessem pedagogias que habilitassem os mais novos a lidar melhor com smartphones que abrem um sem-número de possibilidades de comunicação.
Com isso, não estamos a desvalorizar potencialidades tecnológicas. Apenas estamos a querer dizer que há tempos e espaços para diferentes vivências e aprendizagens. Em idades escolares mais precoces, as crianças precisam de mãos livres para brincar e de olhos desprendidos de ecrãs para se deterem nos outros. Impedir o uso de telemóveis na escola é proteger os mais novos de múltiplos ruídos.