Há quem ache que já tudo foi escrito e que passamos a vida a repetir-nos e a citar-nos uns aos outros. É provável. Com tantos milhões de livros, poemas, discursos e desabafos, admira que as letras não estejam gastas. Por maioria de razão em épocas festivas, em que as mensagens se multiplicam, sempre iguais. E num contexto em que palavras como guerra, inflação, pobreza ou depressão tornam difícil abrir espaço ao estremecimento de alegria que nos assaltava, em miúdos, nas noites longas de Natal.
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Tudo à nossa volta é adverso. Depois de dois anos de pandemia, a invasão da Ucrânia trouxe o avesso da esperada recuperação. Todos sentimos a escalada de preços, subiu para 2,2 milhões o número de portugueses em risco de pobreza, a saúde é a face mais visível da degradação de serviços públicos, do sistema político ouve-se mais crispação e ruído do que ideias e medidas estruturais para o desenvolvimento do país.
Cabe-nos, ainda assim, criar condições para não nos deixarmos dominar pela desesperança. Uma responsabilidade partilhada que começa nos decisores políticos, a quem cabe fazer as melhores escolhas, mas não se esgota neles. No plano coletivo, as crises exigem reforço da solidariedade e coesão social, territorial e intergeracional. Individualmente, podemos acreditar que os sonhos nunca perdem validade e lutar para que os projetos não morram assim que se desligam as luzes da quadra.
É difícil encontrar novidade em rituais e votos que se repetem. E, contudo, não faltam palavras intemporais que nos inspiram e movem. Que nos inquietam e sobressaltam. Que pedem liberdade, fé, ousadia e risco. A cada dia que começa, vestem uma roupa nova e voltam a sair à rua. Em cada recomeço, fazem-nos recomeçar com elas. Natal, com fé ou sem ela, é acreditar nas possibilidades infinitas de palavras capazes de transformarem o Mundo.
*Diretora