Corpo do artigo
Fui ao cinema ver "Batalha atrás de batalha". O filme inspira-se num livro de Thomas Pynchon, sobre a América dos anos 80 em guerra contra a droga, que o realizador adapta de forma livre e atualizada. Os temas tratados são os da rebeldia, da resistência, da liberdade, do amor e da família, transpostos para a realidade de uma América contemporânea em que os discursos e as políticas de imigração têm como traço principal a desumanização e os maus-tratos dos migrantes. O filme, intenso, divertido e comovente, não se limita a contar uma história: convida-nos a refletir sobre o papel do indivíduo na sua relação com o poder e sobre as formas de resistência a esse mesmo poder.
Não quero aqui contar o filme, apenas referir a leitura ou as lições que dele podemos retirar. Resistir é essencial. Num tempo em que o medo é frequentemente usado para suportar abusos de autoridade, a resistência torna-se não apenas legítima, mas necessária. Questionar os poderes instituídos é parte integrante do jogo democrático. E essa resistência pode assumir muitas formas, desde os gestos impulsivos e juvenis, muitas vezes oscilando entre o ridículo e a violência, até às ações silenciosas e solidárias que desafiam o exercício autoritário com inteligência, firmeza e dignidade.
O filme também nos lembra que o amor e a família são espaços de compromisso, não de perfeição. São vínculos que sobrevivem às decisões erradas, aos conflitos e às ausências, porque se sustentam na vontade de cuidar e proteger sem condições. Numa sociedade que frequentemente incensa o sucesso individual e subestima a solidariedade, esta questão é tratada de forma quase subversiva.
Vivemos tempos em que os autoritarismos proliferam de novo e se nos revelam sob diferentes faces. Num extremo, a face dura justifica as limitações da liberdade com a promoção da eficiência, enquanto o uso sem limites do digital permite construir a vigilância quase perfeita. Noutro extremo, uma face explicitamente brutal, grosseira, cruel e, que usa a violência para intimidar e é, por isso mesmo, assustadora. Na maioria dos casos, faces que combinam traços de um e de outro extremo.
Com o medo, a indiferença mascara-se de neutralidade. Em alternativa, é urgente cultivar a insubmissão consciente, aquela que nasce do compromisso com os outros e com os valores da liberdade e do humanismo. A resistência não é apenas um ato político, é um gesto humano, uma forma de afirmar que, mesmo diante da arbitrariedade, há sempre espaço para a dignidade.