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Tem sido notícia recorrente nos média a questão da corrupção e as redes sociais replicam o tema com variações. Desrespeitando o segredo de justiça e o princípio de presunção de inocência, deram informações sobre os suspeitos e crimes que lhes são imputados e, relativamente aos ex-autarcas envolvidos, questionaram-nos sobre os casos e o que farão relativamente ao seu futuro político, divulgando os seus nomes, rostos e câmaras a que presidiram. Exibiram estatísticas sobre os autarcas acusados, condenados, absolvidos e sob investigação, misturando realidades diferentes, referindo crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagens, prevaricação, abuso de poder, tráfico de influência... Tais notícias usaram um conceito sociológico de corrupção, não o jurídico, sendo que os elementos típicos daqueles ilícitos e as respectivas molduras penais são diversos. Como exemplo, comete o crime de corrupção passiva quem solicitar ou aceitar vantagem patrimonial ou não patrimonial em troca da prática de um acto ou omissão em violação dos deveres do cargo. A pena aplicável é a de prisão de um a oito anos se o acto ou omissão for ilícito. Comete o crime de tráfico de influência quem solicitar ou aceitar vantagem patrimonial ou não patrimonial ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública - a pena será de um a cinco anos de prisão. Comete o crime de abuso de poder o funcionário que abusar de poderes ou violar deveres inerentes ao cargo, com intenção de obter benefício ilegítimo ou causar prejuízo a terceiros - a pena é de um mês a três anos de prisão ou multa. A "lei dos titulares dos cargos políticos", em resumo, agrava as penas aplicáveis. Podemos concluir que a motivação das notícias transmitidas é a de relevar a corrupção num conceito sociológico mais abrangente que, naturalmente, vai influenciar a visão e a posição do público-alvo. Aceitemos este conceito que enquadra vários tipos criminais conexos à corrupção, mas que são convergentes na protecção e defesa da probidade, integridade e transparência no exercício de funções públicas. Cabe a todos nós, com especial responsabilidade para os políticos e os média, garantir sempre uma vivência livre, justa e solidária baseada na dignidade do ser humano. Quem é chamado à vida política deve ficar honrado e honrar a causa pública. Aos média incumbe-lhes fiscalizar a transparência da actuação e a honorabilidade dos nossos representantes e denunciar os desvios éticos e criminais a que aqueles não resistam, sem populismos ou desvarios deontológicos ou partidários. A opacidade e abuso dos poderes dos políticos, bem como o exercício acrítico da imprensa no modo de divulgação das notícias, apenas favorece os extremismos populistas, que se apresentam politicamente puros com o desígnio de salvar o país da decadência política, cívica e jurídica em que dizem ter resvalado a democracia, mascarando a sua real vontade de a aniquilar.
A autora escreve segundo a antiga ortografia
Ex-diretora do dciap