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A crise da Justiça é, há décadas, a razão fundamental apresentada pelo poder político para introduzir diversas e sucessivas alterações às leis substantivas e processuais em vigor. Umas vezes, oportuna e justificadamente, surpreendem-se profundas alterações no sistema judiciário tornando-o mais conforme ao direito humanitário internacional e aos direitos humanos plasmados na Declaração Universal e na CRP. Outras vezes, tais alterações traduzem recuo dos princípios dominantes e determinantes da opção legislativa anteriormente efectuada, apenas para satisfazer interesses e pequenos poderes de classes adjacentes. Agora, mais uma vez, evoca-se a crise da Justiça, do MP, numa tentativa de mais uma alteração das leis, não se sabe bem quais, porque não identificadas, nem em que termos, porque a imputação de actuação negativa e “preocupante” do MP é igualmente genérica e muito abstracta. Recorde-se que a competência desta magistratura se estende a todas as jurisdições. Porém, só se detectam manifestações públicas negativas referentes à intervenção do MP na área criminal. Há críticas, censuras e subscrições públicas contra esta magistratura, porque pretensamente funciona “sem rei nem roque”. É neste vector que se centram, sobremaneira, as desconsiderações e confrontações à actuação do MP. Importa sublinhar que o seu órgão máximo é a Procuradoria-Geral da República, presidida e dirigida actualmente pela PGR Lucília Gago. Discordam da sua (não) actuação e (não) intervenção? Quem a indicou e quem a nomeou foi o poder político, respectivamente, o Governo e o PR, pelo que é exclusivamente destes representantes da República a responsabilidade da escolha daquela. A ministra da Justiça e o PR não a interpelaram acerca da qualidade, oportunidade e responsabilidade daquela nos casos judiciários que, publicamente, vêm sido caracterizados como a judicialização da política? Por outro lado, foi o poder legislativo que discutiu e aprovou o novo estatuto desta magistratura e é nele que reside o mal de que agora se queixam. É importante, por isso, que antes de alterações sem estudo aprofundado não se avance com opções que derroguem e retrocedam soluções correctas e justas, subordinadas ao primado dos direitos humanos. Cada interveniente deve assumir a sua responsabilidade nas escolhas até agora acolhidas, nomeadamente nesta lei orgânica, gravemente lesiva, para mim, da necessária autonomia com responsabilidade e hierarquia que sempre foram características do MP português. Não se deve ceder à tentação fácil de encontrar ou alcançar respostas ao sabor de interesses que não são os da Justiça, importando sim repor ou corrigir os normativos daquele estatuto que provocaram a aparente disrupção e descaracterização do MP como órgão autónomo de Justiça.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia