Começou a campanha para as eleições europeias que, diz-se, serão as menos participadas de sempre. Ser europeu é visto como um dado adquirido, uma segunda natureza; por isso, ignoramos a Europa e enfatizamos os assuntos nacionais. No caso português, enquanto os fundos continuarem a chegar, não vemos mesmo necessidade nenhuma de entender a Europa. Verdade seja dita que a tarefa não é, propriamente, simples, com um emaranhado de instituições, regras e orientações, quase tão pouco transparentes quanto distanciadas do cidadão comum. E, se dá trabalho a perceber, ignore-se.
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Sucede que esse quadro institucional marcará, em grande medida, o nosso futuro. Como marcou o nosso passado recente. Talvez não tenhamos usado os fundos postos à nossa disposição da melhor maneira. Faça-se um flashback e tente-se recordar como era o país em 1986. Teremos estradas e betão a mais. Mas somos um país muito diferente, para melhor, do que então éramos. O que não é um dado adquirido.
A adesão ao euro, limitou-nos a discricionariedade política. Ao fazê-lo, forçou-nos a enfrentar os desafios que tínhamos vindo a camuflar e adiar, com os balões de oxigénio dados pelas desvalorizações. A crise actual acelerou o que já era, em qualquer circunstância, inevitável. Deu-lhe um dramatismo que nos esforçávamos por ignorar. Criou um sentido de urgência. Que tanto pode ser virtuoso, como resvalar para a tentação da solução fácil, populista, catastrofista e... catastrófica.
A ligação íntima entre as dimensões nacionais e europeias dos nossos problemas justificariam, nesta conjuntura, que as eleições legislativas tivessem sido antecipadas para coincidir com as europeias. Percebe-se mal, aliás, apelos a contenção de despesas nas campanhas quando se tinha a oportunidade de evitar a sua duplicação. E, sobretudo, ganhar tempo, por pouco que seja, na clarificação política de que carecemos.
Sendo este o pano de fundo, a campanha começou mal. Por culpa dos políticos, sem dúvida, mas também pela voragem sensacionalista de que se alimentam, hoje, os media, em especial a televisão. Não se pode pedir aos políticos que dispam a sua pele. As críticas contundentes, as "indirectas", as tricas, as farpas fazem parte do seu jogo. Que, no entanto, não se reduz, longe disso, a essa dimensão. É, porém, essa a imagem que transparece. Num comício, em Coimbra, Sócrates faz um discurso de mais de meia hora. Fala da Europa, das políticas, do que distingue o PS do PSD. Embalado, não resiste à crítica fácil, despropositada, para consumo dos militantes, identificando capacidade política com dotes tribunícios (talvez valesse a pena lembrar-lhe Cavaco Silva). O que sobra? O sound bite. Paulo Rangel apresenta políticas, enuncia diferenças, critica e, para empolgar os convertidos, descai para um discurso antiespanhol. O que fica? Adivinhou!
As dimensões nacionais e europeias das políticas estão demasiado ligadas para poderem ser separadas. É inevitável que se fale de uma quando se fala da outra. Não é esse o problema. O verdadeiro problema é a encruzilhada em que nos encontramos que exige, a todos, empenhamento e sentido de responsabilidade. A todos! Como se costuma dizer, a política é demasiado importante para ser deixada apenas aos políticos.