Na sequência da demissão de 58 directores clínicos e 8 chefias intermédias, António Ferreira, presidente do C. A. do Hospital de S. João, negociou um acordo com a tutela que, a fazer fé nas notícias, aceitou descentralizar decisões críticas para o bom funcionamento do hospital, tendo sido autorizada a mobilização de um valor equivalente ao capital social para fazer face a necessidades urgentes (de pessoal e equipamento), mas sem que isso comprometesse o equilíbrio financeiro da exploração. Poderá este episódio marcar uma viragem na forma de relacionamento do Governo (este ou outro) com os organismos da administração pública? Haverá condições para ser generalizado?
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Vamos por partes. Como alguém dizia, para dançar o tango são precisos dois. Mas essa é só a pré-condição. Se cada um puxar para seu lado, não vão longe. Entre Paulo Macedo e António Ferreira parece haver, se não a sintonia, pelo menos a confiança e respeito mútuo que facilitam o acordo. As decisões não põem em causa o equilíbrio da exploração, assegurou o administrador do S. João que se recusou a analisar o assunto na versão a preto e branco, perde-ganha, que faz as delícias de certa Comunicação Social. A experiência de Paulo Macedo enquanto gestor profissional torna-o no interlocutor certo para este tipo de experiências. Nas reacções ao acordo alcançado, parece haver quem considere também reunir as condições de base para encetar negociações. Se assim for, e o processo avançar, ficaria a faltar, apenas ou ainda, a demonstração da capacidade das respectivas administrações para estabelecerem a coordenação entre elas que evitasse redundâncias de funções, excesso de capacidade e garantisse eficácia nas compras. A revolução terá começado?
Voltemos ao tango. Quase na mesma altura em que os directores do S. João tornavam pública a sua posição, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas reclamava mais umas dezenas de milhões de euros para pagar o subsídio de férias, tal como o Tribunal Constitucional ordenara. Um destes dias, o órgão equivalente para os institutos politécnicos virá exigir o mesmo. Parece razoável. Universidades e politécnicos dizem-se com a corda na garganta, sem poderem contratar, renovar e, muito menos, expandir. Entretanto, dentro de três meses, voltaremos a ver notícias de cursos vazios ou com poucos alunos, ao mesmo tempo que se vai ouvindo, em surdina, alguns responsáveis comentar a necessidade de uma reorganização de todo o sistema. E se o ministro da Educação passasse o cheque com uma condição: o orçamento global é este, giram-no como souberem e quiserem, mas não haverá nos tempos mais próximos nenhum aumento (nem corte). Não seria esse um estímulo suficiente para que o sector se auto-regulasse, reorganizasse, procurasse as economias de escala e as sinergias e estabelecesse os incentivos que premiassem o mérito institucional e individual? Quem tem medo da descentralização? O ministro? Os reitores? Os presidentes dos politécnicos? Todos?
O igualitarismo, a ausência de um sistema de remunerações e incentivos que permitisse atrair os mais capazes e recompensar a diferença, é um dos cancros da administração pública. Nas universidades, os professores ganham por igual. Quais são as melhores práticas internacionais? Um professor pode ganhar duas ou três vezes mais do que um outro. Atende-se ao mérito, mas não só. No mercado de trabalho, por exemplo, os especialistas em finanças são muito mais bem pagos do que os antropólogos (para nosso mal, dirão os mais cínicos); para atrair ou reter os melhores, as universidades têm de oferecer condições competitivas. A universidade talvez não seja o melhor exemplo. Enquanto director-geral dos Impostos, Paulo Macedo foi ganhar bem mais que o habitual. Não justificou a diferença? Aumenta a despesa? Essa é a resposta hipócrita e míope daqueles a quem incomoda a diferença. Em Singapura, modelo de país com um Estado pequeno, eficaz e forte, alguns dirigentes e especialistas podem ganhar mais de um milhão de euros. E nem por isso a despesa total é grande. Ou talvez por isso. Queremos um Estado de iguais ou bom?