Morreu Rita, morreu a rainha-rock, morreu Lee. Não tenho jeito de a escrever assim obituada, quando ela fez de tudo música - de tudo vida.
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Mas Rita Lee, como o amor que cantou, é para on and on. Tendo sido ela demasiado ovelha negra (em escala de ovelha, demasiado é a dose certa), a sua mania de arte, de vida, de grito, continuará para sempre. Bendita mania de voz.
Não era só o roque enrow de Lee. Era ela ser capaz de cantar um parafuso. E aposto que até cantou, naquele português que saiu do sério, um português-lee feito de sumiço, de baby babies que nem português eram. Feito de flagras - de muitos encontros com outras línguas em português.
Para nós, que ainda escrevemos o português dentro do sério, ouvi-la é terapia. E ensinamento: ela puxa à coisa fora da linha, ela vai, ela cobra; e nós aprendemos com Rita Lee um auê inteiro na língua. E dá em texto que não tem de ser todo certo e todo sentido - ó Rita, agora a crónica foi apanhada no escurinho por ti. Não me xinga, please.
Quer dizer: xinga de mim, por favor, que já não tens paciência para demasiada seriedade. "Estou de saco cheio de tudo", até para o ritual do cristalzinho, respondeu ela a uma entrevistadora. E eu também já vou enchendo o saco para te prestigiar.
Muito bailou comigo, ela que tinha a idade da minha mãe. Na escrita e na música, evolução é fantasia. Tantos, depois da RL, foram mais antigos, e porém ela foi completamente do seu tempo. Matéria estranha. Darwin não vem para aqui, que isto é teoria da inaptidão: dão prazer os monstros que ela nos fez ouvir, as criações que respiram sem espécie nem descendência.
Eu bem queria reprimir a nostalgia portuguesa, a saudade do que nunca tive. Mas a música brinca assim connosco, parece nosso o que ouvimos no sítio do prazer e do ferimento.
Agora só me apetece fazer uma reza mas ainda não sei o suficiente de coisas divinas para orar por uma roqueira. Talvez: Deus meu, faz o favor, diz aí que já vou com saudades dela, propõe-lhe ser santa madroeira dos escritores, que um dia quero ser como Lee - escrever algo muito vivo e acabar voando.
Pois Rita já virou semente de Éden. Agora falta só um pouco para a chuva molhar o jardim. Então ela vai ficar contente, aposto. Até lá, não a vemos mais. Mas isso não se faz, Rita, nós não se importa. Mas você devia ter ponhado um recado na porta.
*Escritor