"Ridendo castigat mores". Fazer rir para moralizar e não para expor ao ridículo
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Para nos pronunciarmos acerca da querela entre Joana Marques e Os Anjos, em primeiro lugar, precisamos de nos saber colocar no lugar do outro. Essa qualidade designa-se por empatia e dela depende a compreensão dos seres humanos entre si.
Na minha perspetiva, à Joana M. falta uma boa colherada de empatia. Usa a sua liberdade de expressão, baseada na comédia e na Constituição, art.º 37, n.º 1, mas não pensa nas consequências. É, pois, incapaz de compreender que as pessoas são todas diferentes e sentem de formas distintas.
Apesar de Os Anjos não terem cantado bem, são pessoas que vivem daquilo que fazem e, com certeza, dado o protagonismo da comediante, devem ter sentido uma grande quebra em termos financeiros. Não concordo, igualmente, com a tentativa de lucrarem exorbitantemente com base nos argumentos que alegam, apesar de o n.º 3 desse mesmo artigo permitir responsabilização por abuso da liberdade de expressão.
Assim sendo, está tudo errado! Esta é a sociedade que nos caracteriza. Todos a tentar passar por cima de todos sem dó nem piedade. Vale tudo para ter seguidores, para ser famoso!
Se recuarmos no tempo, Gil Vicente foi, por exemplo, o grande mestre da sátira social, porém, fazia-o com a arte de criticar classes ou grupos sociais, sem expor ninguém ao ridículo, em particular. Baseado na frase “ridendo castigat mores”, utilizava personagens-tipo, usando diferentes tipos de cómico (de linguagem, de caráter, de situação), com o objetivo de moralizar. Quem se identificasse, “enfiaria a carapuça”. Isso era divertir sem humilhar, fazer rir sem ridicularizar.
Efetiva e indubitavelmente, vivemos num tempo em que não há o mínimo respeito pelo próximo, não há bom senso, não se mede o alcance de determinadas atitudes. Em seguida, olhamos para os nossos jovens que nos imitam, na proporção do seu papel na sociedade, e que enxovalham colegas, alegando que “estavam a brincar”, e ficamos indignados. Que ricos exemplos têm eles!
Assim, apontar o dedo para quem falha é ser perverso, colocar no centro das atenções quem errou pontualmente é ser maldoso.
Há quem se possa dar ao luxo de ser satirizado e de se rir com isso, porque não lhe faz mossa. Tem a ver com fragilidade ou robustez emocional, económica, social. Tem a ver com sensibilidades!
A minha liberdade de expressão dita-me que não magoe o outro. A minha liberdade de expressão não me permite ser malformada. Devo, sim, usá-la em benefício do outro e da sociedade em geral.
É verdade que me posso rir se alguém for contra um poste na rua, mas, em primeiro lugar, devo ter consciência de que o outro não se magoou.