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Desde o lançamento de "Lux", o novo álbum de Rosalía, não se fala noutra coisa. É um disco espiritual, maximalista, profundamente humano (na emoção e na composição), cheio de sala, de instrumentos acústicos, coros e coração. Ora, desde que saiu o meu mais recente disco "Um gelado antes do fim do Mundo", tenho pensado muito neste romantismo, que reconheço na proposta de Rosalía, de fazer discos que são para ouvir por inteiro, na ordem certa, sem interrupções. Sendo que, na era da dopamina rápida e das playlists, pedir às pessoas que ouçam um álbum por inteiro, é quase utópico.
A atenção é um bem precioso em tempo de capitalismo digital, pelo que esperar atenção dedicada de um ouvinte por quase uma hora, para escutar (som sem imagem em movimento), é pedir o impossível. Apesar disso, vejo que "Lux" tem conseguido captar as atenções do Mundo, nessa contracorrente, e alegro-me que o faça pelas boas razões.
Nessa senda de aflorar o romantismo e explorar o formato álbum o mais possível, na era do single misturado em playlist, lancei o meu "Um gelado antes do fim do Mundo" em vinil duplo (com quatro faixas bónus) e estou muito orgulhosa (tanto do objeto, como da proposta de materializar o "longa duração" no seu formato rei). É bonito ver como o vinil é apreciado e valorizado em tempos de nanotecnologia, precisamente pela sua permanência, pela sua fiabilidade e resistência (em todos os sentidos). Todo o ritual de pôr um disco de vinil a tocar, com o seu ruído característico incluído, é intemporal e conta-nos muito sobre como é encher uma sala de música, para ouvir com disponibilidade.
Outra coisa romântica que ando a tentar cultivar é o encontro presencial, para contrariar a tendência de ficarmos presos nas redes. Nessa linha, decidi promover dois encontros de escuta e conversa a propósito do lançamento do vinil. A ideia é ouvir algumas canções e conversar a respeito, com alguns convidados que fizeram parte do processo de composição e com quem mais quiser participar. Tudo isto numa tarde de domingo de outono, em dois espaços de cultura (a Livraria Cassandra, no Porto, já no dia 16 pelas 15.30 horas, e a Casa Capitão, em Lisboa, à mesma hora, no dia 23).
Só por muito romantismo se faz música num mercado tão pequeno e tão duro como o nosso, neste tempo rápido em que a novidade é um ápice e um disco que demorou anos a fazer perde a atualidade em poucos dias. Só por insensato romantismo é que se insiste na dimensão humana da comunicação, da identificação e do encontro que a música proporciona, no tempo de inteligência artificial e das fórmulas matemáticas para compor canções de sucesso. Mas como só por louco romantismo é que os verdadeiros artistas conseguem fazer a sua arte, resiste-se como se pode, e de preferência com orgulho!

