Desisti dos debates diários sobre a crise. Sei que no atual formato a dívida é impagável. O resto são cambiantes entre negro e cinzento do mesmo debate, dias a fio, décima acima ou abaixo, anunciadas como catástrofes, a que se juntam as previsões do FMI/BCE/Governo/Banco de Portugal, um totobola da nossa vida anunciado trimestralmente e na qual falhamos sempre a chave certa.
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Já não consigo rir do relógio decrescente de Paulo Portas: a troika filipina vai com os anjos a 17 de maio. De "1640", segundo Portas. Nada mais certo: estamos 400 anos atrasados.
Olha-se para as ruas, estradas, hospitais... País quase bonito. Fazia-nos falta quase tudo o que os governos e câmaras foram fazendo, descontando entretanto os 10% de erros nas escolhas/corrupção que estas empreitadas acabam por envolver. Na verdade, 10% de má dívida não pode ser confundida com os 100% da dívida. Mas é-o todos os dias. Boa parte desta dívida é pão - literalmente. Por isso é que não sabemos resolver a questão essencial: o que fazer aos 150 mil funcionários públicos que, um dia, Vítor Gaspar disse serem a moeda de troca face à subida de impostos.
Não se constrói um país em 30 anos sem uma boa dose de dinheiro emprestado. Estávamos 50 anos atrasados depois de Salazar. Agora, estamos 50 anos hipotecados depois da democracia.
A Europa também era ter, finalmente, autoestradas, saneamento, juros baratos, mais escolha nas lojas. Mercados abertos. Só uns conseguiram ir mais longe. Faltava a escola, o estudo de queimar pestanas, a tecnologia, o inglês, as ideias. E mundo. O meu país fica no fim da rua da Europa. Só os que se abrem ao exterior não ficam a falar sozinhos com o mar. (Abençoada internet que nos trouxe o mundo à medida do que cada um quer ou precisa.)
Conheço muita gente jovem na casa dos 30 anos sem qualquer horizonte onde caiba um filho. Ter uma criança é o maior sinal de luxo de uma geração que não sabe nada o que vai acontecer daqui prà frente. Vivem anestesiados pela música, como se embalasse o berço onde se escondem, onde nos escondemos todos face ao futuro.
Como podem eles sustentar um filho? Como emigrar e ter uma criança? Onde estão os avós em Londres, ou um infantário barato e flexível em Berlim? Mais barato um cão ou um gato. A maioria das vezes na casa dos pais. Este país não está para velhos, nem para novos, nem para crianças. (Fica exatamente para quem?)
Quando se olha para os sistemáticos cortes aos reformados, percebe-se que nada aconteceu de transcendente em Portugal nos anos da troika, que não fosse o aumento de impostos por todas as vias. Porque, como se tem visto, a alternativa era o despedimento em massa dos funcionários públicos por todas as vias. O Governo optou pelos pensionistas. E o PS, optaria pelos despedimentos?
Uma coisa é absolutamente certa: ninguém acreditará mais neste Estado que corta as pensões, anos a fio (e não apenas excecionalmente). As novas gerações só confiarão nesta Segurança Social se não puderem fugir com o dinheiro para outro lado. Portugal só vale pelo seu maravilhoso território e pelos laços familiares que unem as pessoas. Não sei se é suficiente para atrair as novas gerações a ficarem (ou voltarem).
Claro, claro, o crescimento económico é que é o plano B. Os nossos grandes e pequenos empresários continuam a meter-se nos aviões deste mundo para exportarem sonhos e desesperos fiscais. Cruzei-me nalgumas viagens com eles: estacionados em bancos duros nas longas horas de espera nos aeroportos de escala, à espera do avião de regresso ou que a greve passe, ou o mau tempo, ou sabe lá Deus mais o quê. Lá andam eles, sonâmbulos nas lojas dos chocolates, para meter qualquer coisa na mala, que em casa alguém espera sempre um doce para compensar as eternas ausências.
Os negócios só são cor de rosa nos jornais. O mundo está repleto de vigaristas que jamais pagarão o que compram ou contratos impossíveis de cumprir cheios de artimanhas. E mesmo assim os portugueses constroem o milagre de fazer crescer as exportações de 28 para 41% do PIB em cinco anos - e ainda nos falta fazer o dobro para isto ter saída. Não há grandes diferenças entre estes homens e o Cristiano Ronaldo. Aliás: "Where? Ah! Portogal... Yes, Cristiano Ronaldo!". Há um em cada esquina pelo mundo. É o que nos salva.