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No dia 1 de setembro de 1937 estava calor. Na casa da Lapa, na Rua Ribeiro Sanches, as criadas andavam a toque de caixa do médico que, no andar de cima, dava ordens como se fosse o patrão. Maria Adelaide nunca fora mãe e já não era uma criança. Ouviam-se gritos no quarto fechado e o marido, Henrique, proibido de entrar, arrastava o fumo dos cigarros pela casa. A grávida tinha quarenta anos, uma enormidade e um risco. Era aristocrata, de uma família brasonada e com terras. Já Henrique era um industrial com fortuna e ambição, um burguês. Naquela casa, naquele primeiro de setembro de um outro tempo, ouviu-se por fim um choro de bebé. O pai correu para o quarto, as empregadas da copa correram para o quarto e por aquele palacete da Lapa festejou-se mesmo antes do médico anunciar que era um varão bem nutrido. Tudo correra bem, a notícia podia ser dada, com nome e tudo, o mesmo do irmão e do pai de Henrique, como era de tradição só poderia chamar-se Francisco. Maria Adelaide recebeu-o nos braços e esforçou-se para não chorar, o que não seria próprio. Ao longo da vida seria sempre o seu menino ultraprotegido. Naquele primeiro embalo, depois de lhe contar os dedinhos das mãos e dos pés, sonhou-lhe coisas grandes. Não tão grandes como a última palavra que Francisco disse antes de morrer, se tudo tiver acontecido como nos filmes, como numa ficção perfeita. Oitenta e oito anos após aquele setembro de braseiro, o agora velho Francisco, filho de Maria Adelaide, só pode ter dito, do fundo do que quis ser, a palavra Rosebud.

