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O Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado em 1979 pela mão de António Arnaut, é uma das grandes conquistas de Abril e um dos pilares fundamentais do Estado social. Custa qualquer coisa como 15 mil milhões de euros por ano e é financiado por aqueles que pagam impostos para que todos, independentemente da condição económica, tenham acesso a cuidados de saúde. É um direito de todos os portugueses e de todos os que escolheram Portugal para viver.
É um direito que nos sai da carteira e que por isso acarreta deveres. Exige-se uma gestão rigorosa, decisões racionais do ponto de vista clínico e financeiro, regras claras e transparentes. E o caso das gémeas luso-brasileiras que, em junho de 2020, receberam, no Hospital de Santa Maria, um dos medicamentos mais caros do Mundo para tratar a atrofia muscular espinal é tudo menos transparente. A começar pelo ultrarrápido processo de obtenção de nacionalidade portuguesa (14 dias) das duas meninas - que vivem no Brasil e são filhas de uma luso-brasileira - e que permitiu à família pedir, no fim de 2019, o tratamento milionário quando já tinham recebido outro semelhante. A que se seguiu outra autorização supercélere: em dois dias úteis, o Infarmed deu luz verde para ministrar o Zolgensma, que custa quase dois milhões de euros por dose. Toda esta rapidez terá resultado de influências junto do Ministério da Saúde e da Presidência da República. A própria mãe admitiu que o processo não seguiu a tramitação normal e que a nora de Marcelo Rebelo de Sousa terá intercedido junto do presidente para agilizar os procedimentos. Certo é que logo na altura o caso gerou indignação junto da equipa médica, mas os documentos terão desaparecido.
Depois da denúncia pública, fez-se o habitual: abriram-se inquéritos e agora o Ministério Público iniciou também uma investigação. A gravidade das suspeitas obriga ao apuramento cabal dos factos e a que haja consequências. Porque o que pode estar aqui em causa é um roubo ao SNS, com o eventual patrocínio ao mais alto nível.