"Assim não. Ou é para mudar ou não dou para o peditório". Ao ler, logo pela manhã, um destaque noticioso com esta frase de Rui Rio, associei-a de imediato às notícias sobre o esquema fraudulento, ainda que legal, que o grão ducado do Luxemburgo montou em segredo, com 343 multinacionais, que lhes permitiu poupar milhares de milhões de euros em impostos, que deveriam ter sido pagos nos países onde foram gerados os lucros. A troco de uma comissão (2%), como corresponde a qualquer facilitador de negócios.
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Percebi depressa que não era essa a preocupação de Rui Rio - expressou-a um dia antes de o escândalo estourar -, mas não resisti a continuar a tresler as declarações do candidato a tudo (que pode muito bem transformar-se em candidato a nada). Até porque algumas das outras ideias que defende, ainda que com origem em preocupações caseiras, se aplicam igualmente ao casino em que afinal vivemos todos: "Acho que a crise que tivemos não foi económica, foi política, a sociedade evoluiu e o sistema político estagnou".
Ninguém diria melhor a propósito da negra realidade revelada pela investigação organizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) e publicada numa espécie de rede de 40 jornais (sintomaticamente, nenhum deles português). Se há facto que esta investigação confirma é que a economia de casino não resulta da mera desregulação dos mercados financeiros. Resulta da estagnação da política e da ganância dos que controlam um sistema político apodrecido e corrompido. Lá como cá.
O que esta investigação também confirma é que este é um mundo cada vez mais desigual, em que os mais ricos ganham cada vez mais dinheiro, mas pagam cada vez menos impostos, destruindo o sistema tradicional de redistribuição da riqueza. E Portugal não escapa a esta lógica de rapina: os números mais recentes da pobreza são avassaladores mas, em simultâneo, e de um ano para o outro, somam-se 10 mil pessoas à lista de milionários. Temos cada vez mais gente (e sobretudo mais crianças) sem dinheiro suficiente para uma refeição de carne ou peixe, mas também cada vez mais gente com um património superior a um milhão de dólares.
É a este tipo de desafios que é preciso dar resposta. Precisamos de políticos que deem para este "peditório", que promovam "ruturas" com este tipo de práticas. E não vale o argumento de que somos demasiado pequenos. Portugal está incluído na União Europeia, um espaço de civilização que já viveu melhores dias, é certo, mas que tem ainda a capacidade de oferecer um rumo diferente. Para isso, tem de livrar de especuladores disfarçados de políticos como os que governam o Luxemburgo. Só há um pequeno grande problema: o chefe do bando que organizou o esquema fraudulento é agora presidente da Comissão Europeia.