Rui Rio não é um homem do povo, como o povo diz. Mas sabe falar como o povo, tem via verde para o coração dos empresários e, para bem da sanidade do país, nunca usa um daqueles discos só com duas frases que, repetidas até à exaustão, não surtem outro efeito que não o do aborrecimento.
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E tem graça, ainda por cima. E não cometeu erros na campanha. Contra a ganância da maioria absoluta do PS, pediu a vitória da humildade, gesto que desliza como seda naquele universo de pessoas que é católico mas não é crente. Fez tudo bem, mesmo se não ergueu grandes bandeiras.
Liderando um partido de direita, apontou baterias ao centro, lembrando que é um homem de esquerda, seduzindo uns sem assustar outros, mostrando sem dizer que se revê num liberalismo fiscalizado. Capitalizou sobretudo a imagem alimentada ao longo do percurso público, a de que é mais um governante do que um político, ou seja, mais um gestor do que um pensador. E como uma grande fatia do país considera que o momento exige mais ação do que pensamento - e como o equilíbrio entre pensamento e ação não está ao alcance de qualquer um -, Rui Rio entra em contagem decrescente para o dia das legislativas facilmente posicionado para vencer as eleições, arriscando cumprir, quando já tudo parecia perdido, a profecia de Durão Barroso ("Sei que serei primeiro-ministro, só não sei quando"). E recebeu ainda um bónus, a rara e repentina união do PSD, mesmo se ela é ditada mais pelo cheiro a poder do que pela reverência ao presidente do partido, circunstância que até pode iludir quem agora o apoia mas que dificilmente o enganará.
Rui Rio reinventou-se como candidato a primeiro-ministro, surgindo leve e fresco (até o gato Zé Albino conseguiu meter nos fait-divers do dia, bizarria que seria impensável há uns anos), em contraste com uma esquerda monocórdica, arriada e perdida. E tem uma oportunidade histórica para se reinventar também enquanto chefe de Governo, se lá chegar no domingo, se não persistir nos erros do passado que tornam inevitável a convivência com a perceção de que cultiva a falta de mundividência e o défice democrático.
Claro que ninguém muda quando não precisa, e a cultura e a liberdade de expressão, por mais difícil de acreditar que seja, não movem nem comovem o país, pelo que tirando a franja do costume ninguém lhe assacará responsabilidades. Mas Rio diz dos artistas e da cultura o que nem Ventura ousa dizer dos ciganos. Por uma vez, era importante que desse o braço a torcer. Sem cultura e sem liberdade, o futuro de Portugal será sempre uma estrada demasiado estreita.
*Jornalista