Durante a semana a Bolsa afunda-se, o governador do Banco de Portugal fala de uma situação resolvida no fio da navalha e os técnicos afadigam-se a fazer contas ao impacto da extinção do BES na economia. Chega o sábado e, a julgar pelo noticiário das 19 horas da Antena1 e da TSF, não se passa nada. Abrem, ambos, com Jorge Jesus a desvalorizar a sua declaração de que, se saísse mais algum jogador no Benfica, ele também saía. Ambos dão extensa cobertura a mais uma manifestação de meia dúzia (perdão, 5 dezenas) de "palpitistas" que os meios de Comunicação Social tradicionais se afadigaram, durante todo o dia, a anunciar que tinha sido convocada pelas redes sociais.... Qual é a aparência e qual é a realidade?
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Nos velhos tempos, para mostrar a força das tradições entre os ingleses, contava-se que, um pouco depois das 17 horas, quando se preparava para ir de fim-de-semana, o dono de uma empresa viu que chegava um telex. Como já estava fora da hora de expediente, hesitou em lê-lo, mas não resistiu à curiosidade. A mensagem anunciava a falência da empresa. Fleumático, exclamou: "Ai John! Na segunda-feira, quando chegares, vais ter uma surpresa". Talvez seja esta a lógica das rádios ou, como canta Sérgio Godinho, fim-de-semana é para ganhar coragem.
Os tempos estão propícios a surpresas. Mesmo entre os pessimistas, poucos antecipariam, há apenas um mês, o desfecho que o caso Espírito Santo viria a ter e as implicações que está a ter, e terá, não apenas sobre o banco mas sobre a economia como um todo. Uma das vítimas deste turbilhão foi a revista "Exame" que, por esta altura, costuma publicar a lista dos mais ricos de Portugal. Parecia que tinham ido a tempo de corrigir a lista para a expurgar da presença de Ricardo Salgado e de outros elementos da família Espírito Santo. Não previram foi o resto. O subtítulo diz tudo: "Bolsa fez disparar várias fortunas (...)". Se fosse hoje, seria mais acertado dizer, "queda da Bolsa faz regressar fortunas a valores de 2013". Talvez o "ranking" se mantenha. Os valores, certamente não. Tudo isto mostra a precariedade da metodologia subjacente a um exercício que não deixa de ser discutível só porque é feito em quase todos os países. Talvez faça vender mais uns exemplares, aumente as receitas de publicidade e alimente uns tantos egos. Fica sempre a dúvida se a informação adicional, assim disponibilizada, compensa o ruído "voyeurista" que sempre suscita. E se a Exame publicasse, no seu próximo número, uma correcção aos valores de Julho, qual seria a reacção?
Ruído e palpites infestam o nosso dia-a-dia, dificultando a discussão das questões críticas para o nosso bem-estar, actual e futuro. A última coisa que se esperaria seria ver o Tribunal de Contas, não digo embarcar nesse delírio, mas ser descuidado ao ponto de o alimentar. E logo quando se trata da saúde. Bem sei que o tribunal é de "contas" mas, ainda assim, a ideia de resolver a falta de consultas reduzindo o seu tempo de duração, para além de ser um exercício de álgebra primário, é um palpite perigoso. Não sou um especialista. Vejo, ouço e, de vez em quando, leio o suficiente para não ignorar a relevância e complexidade do tema que, por isso mesmo, requer uma abordagem integrada e não parcelar. Li, a esse propósito, um interessante depoimento de um médico americano defendendo ser a redução do tempo das consultas uma das responsáveis pelo aumento dos custos em saúde. O raciocínio é simples: confrontado com a exiguidade do tempo que não lhe permite fazer um diagnóstico adequado, o médico requisita um conjunto de exames complementares, vários dos quais poderiam ser dispensados por uma análise mais cuidada do doente. Fá-lo, também, por defesa, para não poder ser acusado de erro ou negligência. A individualização da actividade e dos incentivos, por contraposição ao trabalho de equipa, faz o resto. A postura contagia o doente que não acha o médico bom se não sair de lá com uma catrefada de medicamentos, exames ou tratamentos complementares. E assim se constrói o cenário para o desvario orçamental. Não sei se tem (toda) a razão. Sei que não é, certamente, um palpite.