O Reino Unido sai oficialmente da União Europeia às 23 horas do dia 29 de março, ou seja, daqui a 70 dias. O que falta fazer? Falta a aprovação por parte do Parlamento britânico do acordo de saída já fechado pela União Europeia. Falta um entendimento entre os deputados, principalmente no interior dos partidos conservador e trabalhista. Falta diplomacia à primeira-ministra Theresa May. E falta poder de decisão àqueles que residem no Reino Unido e que, neste momento, estão profundamente arrependidos da escolha que fizeram em 2016. Falta tudo, portanto.
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"Foi uma derrota épica", escrevia ontem a conservadora revista "The Spectator" sobre a votação da Câmara dos Comuns do tratado jurídico negociado com Bruxelas. Muitos falam da votação mais importante da história política britânica do pós-guerra. Sê-lo-á, se tivermos em conta a diferença de 230 votos que ditou a maior derrota de sempre de um Governo na Câmara dos Comuns. Para mim, foi, acima de tudo, um episódio trágico, protagonizado por vários atores. Em primeiro lugar, por Theresa May. Como pôde a primeira-ministra britânica deixar o acordo ser discutido no Parlamento, sem ter acautelado tão colossal derrota? Para quê pediu, então, o adiamento da discussão? Não teria ela obrigação de negociar mais? Do lado dos trabalhistas, Jeremy Corbyn também não encontra razões para se congratular. A moção de censura que apresentou anteontem, e que foi derrotada, não transportou qualquer solução para o atual impasse, apenas pontuou a sua improdutiva estratégia de confronto com o Governo. Sabe-se que Corbyn quer eleições antecipadas, mas ainda ninguém percebeu quais as suas propostas para o acordo de saída da UE e, mais relevante, de que forma conseguirá acalmar a fação Remain do seu partido de que ele não é, de todo, um entusiasta. Também não apreciei o tom dramático com que o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, foi gerindo a sessão de terça-feira e o modo trágico-cómico como anunciou o resultado final da votação. Ao serão, sintonizei alguns canais ingleses de informação e custou-me seguir as declarações de um sorridente Boris Johnson que exigia levianamente um outro acordo para o seu país, como se ele próprio não fosse também responsável pelo estado a que todo o processo do Brexit chegou.
Enquanto o Palácio de Westminster parece dominado pelo "nonsense", do lado de fora das casas do Parlamento há uma vida que pulsa, conduzida por gente de proveniência variada que empurra o país para a frente. Talvez fosse proveitoso os deputados deambularem pelas pontes do rio Tamisa ou apanharem logo pela manhã o metro a fim de observar bem a população que servem. Essas pessoas foram conduzidas, a 23 de junho de 2016, para um referendo que se fez por pura tática política. O então primeiro-ministro David Cameron prometeu isso num longínquo início de 2013, num muito esperado discurso sobre a sua posição quanto à Europa, dirigido sobretudo ao eleitorado conservador. Aí, garantiu essa consulta popular após 2015, ou seja, depois das eleições e se ele próprio fosse reeleito. O tempo passou e a promessa teve de ser cumprida. Nesse tempo, o lado eurocético dos conservadores, muito dominado pelo truculento Boris Johnson, foi controlando o partido e manipulando os média para uma certa leitura da realidade. As promessas de um oásis recuperado longe da integração europeia pareciam tentadoras. E a votação ditou a partida do Reino Unido da União Europeia.
Hoje, mais de dois anos depois da votação, há uma enorme confusão. Parece impossível tanto tempo ter passado e tão pouco ter sido executado. Faltam 70 dias para o dia da decisão final e ninguém sabe dizer o que quer mesmo para o Reino Unido. Dizem apenas o que não querem, mas isso não salva o futuro do país.
*Prof. Associada com Agregação da UMinho