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Por esta altura do ano, o "tiro ao orçamento" é um divertimento a que muitos de nós nos dedicamos. A teia de relações sociais, que subjaz e estrutura a actividade económica, relativiza essas considerações. Daqui a um ano veremos quem tem razão. Como dizia o filósofo portista, "prognósticos só no fim do jogo". Por mais modelização que se faça, o carácter social e dinâmico da realidade subjacente condiciona a capacidade de fazer previsões rigorosas. Por exemplo, a economia começou a crescer nos dois últimos trimestres. Pouco, mas a crescer. Tradicionalmente, seriam precisos mais uns tempos para que o emprego começasse a crescer. Para surpresa dos analistas, nesses mesmos dois trimestres houve criação líquida de postos de trabalho bem acima do que se poderia prever. Haverá, por certo, algumas explicações. Por exemplo, talvez quem decide tivesse criado expectativas demasiado pessimistas, reduzindo muito o emprego de modo que, mesmo perante uma pequena retoma, houve necessidade de recrutar. Talvez! Em que sectores tal ocorreu? Qual a natureza desses empregos? Pouco se sabe! Vai ser preciso recolher mais dados a nível de sector e empresa para percebermos melhor o que se está a passar.
Quando se tem esta dificuldade, é razoável que nos agarremos àquilo que se sabe ao certo e não mitifiquemos nem tentemos ignorar a realidade. Por exemplo, o que induziu o tal crescimento da economia? O discurso do Governo sublinha o papel das exportações. A verdade é que, mesmo com o excelente desempenho evidenciado, o valor acrescentado que delas decorre apenas explica uma pequena parcela da evolução do produto. O maior impacto decorre do aumento do consumo. Daí que a Oposição, como seria de esperar, associe tal facto à rejeição, pelo Tribunal Constitucional, dos cortes nos subsídios de férias e de Natal. Na verdade, numa economia em que o consumo privado representa cerca de 60% da despesa, o seu comportamento terá reflexos imediatos e marcados. A pergunta seguinte é: e é este o caminho mais virtuoso para a recuperação? Como ninguém ignora, ou esse aumento é comedido ou arriscamo-nos a recomeçar a trilhar o caminho que nos trouxe até aqui, com aumento das importações, do desequilíbrio comercial e do endividamento externo. Para ser virtuoso, esse processo há-de conferir ao investimento (e às exportações) um papel mais central. As condicionantes que o Estado continuará a ter limitam a margem ao investimento público, impondo parcimónia e critério. O investimento privado, nacional ou estrangeiro, será decisivo. Mais uma vez, não ignoremos a realidade. Não é só o sector público que está endividado. Não é, por isso, óbvio que as empresas portuguesas possam protagonizar, só por si, o acréscimo de investimento de que carecemos. Há que fazer um esforço de atracção de investimento estrangeiro. A concorrência é feroz, o que recomenda que não se dêem tiros nos pés e não se ignore o que se sabe. E o que se sabe é que o nível, a clareza e a estabilidade da fiscalidade são factores críticos na decisão de investir. Sabendo isto, não se consegue discernir a racionalidade do PS, ao condicionar a evolução do IRC à do IRS ou do IVA ou ao discriminar as grandes empresas (só quer atrair pequenos investimentos ou as grandes empresas estrangeiras são diferentes das nossas?). E menos se percebe a postura do Governo que, na sua inflexibilidade, só contribui para gerar incerteza, matando à nascença qualquer efeito que a eventual descida da taxa do IRC pudesse ter.
Mas, nem só de novo investimento vive o país. Quanto mais difícil é atrair e fomentar o novo investimento, mais paradoxal é que não se faça tudo para salvaguardar o estoque de capital existente. A reestruturação das empresas justifica maior prioridade política, de modo a estimular a mudança de atitude dos credores, em especial a Banca, e a facilitar a alteração da gestão, dando o devido valor aos direitos da empresa. Quanto mais a inércia deixar condenar empresas viáveis, mais íngreme é a ladeira do investimento que teremos de subir. Sabemos pouco. Mas, já agora, não ignoremos o pouco que sabemos.