1. Há muitos anos, o meu pai contou-me uma história sobre a diferença entre os espanhóis e os portugueses.
Corpo do artigo
Dizia ele que, certo dia, comentando com um amigo castelhano a fraca qualidade dos camiões Pegaso, fabricados em Espanha, este lhe retorquiu "mas são espanhóis". Dizia o meu pai "se fosse nosso, dizíamos: Pois! São portugueses...". Lembrei-me desta história quando soube que, depois de uma reunião com o respectivo governo, em que lhes terão sido explicados os porquês das medidas adoptadas, os sindicatos espanhóis suspenderam a greve que estava decretada. Ao ouvir a notícia, um amigo que estava comigo exclamou: "só em Espanha!". Num país aparentemente retalhado em múltiplas autonomias, num país cuja desagregação os profetas do centralismo estão sempre a antecipar, quando toca a rebate é para todos.
2. As medidas tomadas em Espanha são bastante mais duras que as nossas e, o que faz toda a diferença, mexem com a função pública. Por cá, é certo que a CGTP não decretou greve, mas mantém a convocatória de uma jornada de luta insistindo em soluções que levariam o país directamente para a bancarrota. Seria irónico se o apelo tivesse o maior eco entre os sindicatos de funcionários públicos. É que, quer se queira quer não, uma das razões para o apertar de cinto a que todos estamos a ser sujeitos é o peso da despesa pública, na qual avultam os ordenados dos funcionários públicos. Sei que muitos são mal pagos e que outros tantos são profissionais dedicados. Não está em causa nada de pessoal. Mas a garantia de emprego de que gozam não justificaria um pequeno sacrifício adicional?
3. Os grupos de menores rendimentos serão, tudo indica, os mais penalizados, em termos relativos, pela subida do IVA e acréscimo do IRS. Por duas ordens de razões: nenhuma classe de bens foi poupada ao agravamento do IVA e é entre os escalões de rendimento mais baixo que maior é a proporção afecta ao consumo. Não obstante o orçamento já prever um acréscimo de IRS para os rendimentos mais elevados, parece justificar-se uma diferenciação para o que poderíamos chamar super-rendimentos (por exemplo, acima de 500 000 euros/ano). Tal como com o corte de rendimentos para os políticos e gestores públicos, era uma medida simbólica. Infelizmente, Portugal não é suficientemente rico para ter muita gente a ganhar aqueles valores. Ainda assim, justificada no plano da justiça redistributiva e da coesão social. Também se estranha que não tenha sido alterada a tributação dos produtos de luxo, tabaco, bebidas alcoólicas ou o jogo. Talvez estas receitas permitissem isentar os rendimentos mais baixos do aumento de IRS.
4. Por mais que se possam aumentar as receitas no curto prazo, a solução estrutural está do outro lado, nas despesas. Mais dia, menos dia, vai ser preciso mexer nas pensões. Em homenagem a Saldanha Sanches, talvez não fosse desasado começar pelo que apelidou de "papa reformas". Medida simbólica, mais uma vez. Mas toca, ou não, a todos?