Seria curto se ficássemos pela facilidade de ver no filme uma metáfora do português que se atira impreparado para uma aventura sem pensar nos riscos. Patético e hilariante
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Em dois dias, o vídeo de Hélio Catarino, skater e ajudante de cozinha nascido em Imaginário, perto das Caldas da Rainha, conseguiu a façanha de um milhão de visitas no Youtube e entrou na lista mundial dos mais partilhados, entre imagens de Beyoncé e Harry Potter.
Com "Fail like a boss", título do filme, o homem de Imaginário tomou o lugar do "concentradíssimo" Paulo Futre e lançou a frase "o medo é uma cena que não me assiste". A mão do amigo que filma a cena não treme, nem mesmo quando a passagem de um carro quase faz da brincadeira uma tragédia.
Este "épico" espalhou-se de forma viral pela net e libertou as nossas cabeças, momentaneamente, das preocupações com a crise e os aumentos de preços e impostos. Mas seria curto se nos ficássemos pela facilidade de ver no filme uma metáfora de Portugal, ou do português que se atira impreparado para uma aventura sem pensar nos riscos.
Na quarta-feira, o físico teórico Nuno Peres, da Universidade do Minho, recebeu o Prémio Gulbenkian de Ciência pela investigação desenvolvida em torno do grafeno. Nascido em Arganil há 44 anos, ele é co-autor do artigo com mais citações sobre este tema, na "Reviews of Modern Physics", a mais importante publicação desta área científica. Colaborou, na Universidade de Manchester, com dois cientistas que receberam este ano o Prémio Nobel da Física, numa cerimónia em Estocolmo para a qual Peres foi um dos dez convidados.
Todos sabemos o que é um skate e até lhe conhecemos um antepassado, o carrinho de rolamentos. Este fabricava-se em casa com mais ou menos sofisticação a partir de uma base simples: tábuas, quatro rolamentos, um cordel e pouco mais. A evolução tecnológica do skate é facilmente reconhecível, com materiais resistentes e leves que permitem muitíssimo mais manobras do que os velhos carros.
Do grafeno, porém, sabemos muito pouco, até porque a descoberta deste material de altíssima resistência, espessura mínima e enormes capacidades de condução de electricidade ocorreu em 2004.
Nuno Peres, que talvez tenha andado de skate nos anos 1980, faz parte do pequeno grupo de pessoas que abrem ao mundo as extraordinárias possibilidades de aplicação deste material. Todos vamos beneficiar desta descoberta que, diz-se, surgiu de um acaso daqueles que só acontecem aos grandes curiosos, dispostos a procurar obstinadamente respostas para novas perguntas.
Imagino Peres a rir-se descontraidamente com o filme do Youtube que a filha, estudante de Física, não deixará de lhe mostrar.
E confesso que numa coisa estou de acordo com Hélio Catarino: "Sai da frente, Guedes!"