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Embora resulte tentadora a comparação, e todas as metáforas envolvidas, a guerra do Vietname e a campanha afegã são muito diferentes. O conflito asiático durou mais de 20 anos. As "operações de estabilização" no Afeganistão, e seus antecedentes, começaram no fim de 2001, se nos referirmos apenas à participação americana. E a ISAF, mandatada pela ONU, só cobre todo o país há cerca de três anos.
No Vietname, os EUA chegaram a ter mais de meio milhão de homens. No Afeganistão, mesmo depois da anunciada "onda" de Obama, disporão, no máximo, de 100 mil soldados.
No Afeganistão, os EUA lutam numa coligação de quase 50 países, incluindo todos os membros da NATO. No Vietname, as tropas americanas eram apenas apoiadas por contingentes da Austrália e da Nova Zelândia, e dos estados anticomunistas asiáticos da "linha da frente".
O Afeganistão foi, provadamente, a origem física, estrutural, organizacional, humana e material, do 11 de Setembro de 2001, o mais devastador ataque aos EUA, desde Pearl Harbour. Descontando as teorias da conspiração, esse é um facto, revelado sobretudo quando a "al-Qaeda" viu desmanteladas as suas bases, entre o fim do Outono de 2001 e a Primavera de 2002.
O Vietname do Norte, e as guerrilhas Vietcong do Sul, ameaçavam os frágeis aliados americanos de Saigão, mas não atacaram os EUA, nem na Ásia, nem na metrópole. O incidente do Golfo de Tonkin, usado pela administração democrata de Johnson, para escalar a guerra, foi uma farsa, ou, no mínimo, um mero pretexto.
Claro que era o período da "Guerra Fria": uma extensão ideológica do conceito de "inimigo" levava os teóricos a raciocinar que o "avanço do comunismo" iria fazer cair o Sul, depois o Laos, o Camboja, quiçá a Tailândia, e talvez todo o sudeste asiático, incluindo a península coreana. A seguir, poderia chegar-se ao subcontinente, com a perda da Índia e do Paquistão. O cancro expandir-se-ia então para a Australásia e para a Ásia insular, ameaçando Singapura e a Malásia, a Indonésia e, em última instância, o Japão. Os beneficiários seriam sobretudo os chineses, embora o conflito planetário se desse contra Moscovo. Esta equipava substancialmente, embora de forma discreta, o exército de Hanói. Mas não tinha a primeira vítima da "Guerra Fria" sido, precisamente, o missionário e agente secreto americano John Birch, morto pelos irregulares maoístas, na China sublevada?
Foi a "teoria dos dominós", enunciada por Eisenhower, em 1954. No Afeganistão, ergue-se, nalguns círculos, um novo princípio semelhante: se a coligação ocidental sair humilhada, o regime cai, os talibãs tomam o poder, o Paquistão radicaliza-se e é controlado pela "al-Qaeda". Toda a Ásia central será seduzida pelo fundamentalismo, ameaçando a Rússia e a China, o Irão e o Iraque, a Síria e a Turquia. E na Rússia, e na China, e na Índia, e sobretudo em Islamabad, existem armas nucleares prontas a ser usadas.
Ou seja: o jogo do risco será ganho por gente com sonhos apocalípticos.
No Vietname, os EUA estavam a combater duas guerras: uma contra-insurrecional, no Sul, outra semiconvencional, no Norte, com o uso massivo de bombardeiros estratégicos (100 B-52, no mínimo, foram perdidos), e pesadas baixas dos dois lados.
No Afeganistão, não há conflito convencional, e o movimento Talibã não tem estados amigos. Mas abriga-se na terra de ninguém das zonas tribais paquistanesas.
Isto complica as contas.
Mas (ainda) não é o Vietname.