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Só há três maneiras de resolver o problema dos cortes salariais: ou na rua, com a revolução, ou nos tribunais, ou nos órgãos de soberania legiferantes. Mas estes já mostraram que querem esta norma, e não outra. Os lesados pelas reduções de ordenado possuem, para já, uma voz: a da magistratura de julgamento. Esta entidade independente representa a sagração do chamado "Estado de direito".
Parecem assim absurdas as vozes a pedir aos juízes que declarem escusa na análise dos processos salariais, sob o argumento de que são também empregados, e que possuem portanto "interesse" na matéria. Nessa linha, dada a condição humana dos magistrados, nada do que viesse da sociedade poderia por eles ser julgado. O melhor seria, então, criarmos computadores especiais de julgamento.
Claro que um juízo sobre o Orçamento não é um acto divino, incontestável. Se entendermos que os cortes salariais da Função Pública são proibidos pela Constituição (não se vê onde, mas essa é outra questão), e se arguirmos, nos tribunais comuns, que a Lei do Orçamento contém essa inconstitucionalidade, iniciamos o chamado processo da fiscalização (sucessiva) concreta do mesmo diploma.
O tribunal requerido pode declarar a norma inconstitucional. Esta não desaparece do ordenamento, mas deixa de se aplicar ao caso concreto. Da decisão cabe recurso até ao Tribunal Constitucional (TC). Mas se os tribunais comuns declararem a inconstitucionalidade por três vezes, a norma passa a ser tratada como infractora, com força obrigatória geral. Ou seja, a Lei do Orçamento deixaria de estar em vigor.
Por outro lado, mesmo que os tribunais comuns não se pronunciassem pela invalidade do Orçamento, poderia haver recurso, como se disse, para o TC.
Se este declarasse a desconformidade da norma em relação à Lei Fundamental, teríamos outra vez a força obrigatória geral. Esta pode aliás sempre ser obtida do TC, por exemplo por requerimento de deputados, ou do PR, em processo de fiscalização abstracta.
Diga-se, de passagem, que o TC nunca se pronuncia pela "constitucionalidade" das normas, mas sim pela sua inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade. Isto dá-se porque o papel dos juízes não é o de "santificar" a legislação que perscrutam.
Seja como for, é na administração da Justiça que se pode reparar, sem ruptura, uma disfunção sistémica.
Todas as outras opções são perversas.