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Há umas semanas o "Financial Times" fazia do Porto o caso paradigmático da crise europeia, à conta das ruas desertas e das lojas fechadas. Pareceu--me que, na verdade, o que mais os espantou foi ter visto mulheres a lavar roupa em tanques públicos nas Fontainhas o que é apenas sinal de ignorância e provincianismo do jornalista.
Mas uma coisa é certa. O comércio de rua, o tradicional, esse sim é sinal claríssimo da morte lenta da economia de uma cidade. E o Porto, como muitas outras, sente-o de forma dolorosa.
E não vale a pena apontar o dedo e amaldiçoar os centros comerciais. Estes estão igualmente quase fechados, às vezes com duas ou três lojas por piso.
O problema é que a economia comercial apenas suporta, neste momento, a compra e venda de produtos de primeira necessidade e esses são naturalmente garantidos a mais baixo preço pelas grandes superfícies. A mais-valia da conveniência, porque a pequena mercearia estava ao pé de casa, teve de ser desprezada pela poupança das compras menos frequentes e com desconto de quantidade.
A loja de acessórios, o café familiar da esquina, o estabelecimento de moda mais conservador, a drogaria ou a loja de lâmpadas e material elétrico, a pequena ourivesaria, não conseguem suportar os custos fixos. Existem apenas aquelas cujas instalações são dos proprietários e estes não conseguem imaginar outro modo de vida. Mas negócio não se faz.
Do outro lado, estão os pequenos ateliers ou iniciativas dos novos empreendedores, os que fazem papel e lápis à medida, os que vendem ilustrações de novos talentos, os que fazem e vendem cerâmica com design inovador, os que mostram novos materiais para revestimento, os que procuram agregar os novos produtos e gerir plataformas digitais para promover a sua internacionalização.
Estes têm todos vindo a desistir (a Rua do Rosário é uma bom exemplo), porque não têm dinheiro para pagar a renda (de microespaços muitas vezes) a água e a luz.
Como resultado, a cidade morre cada dia mais um pouco, as instalações degradam-se, o património edificado desvaloriza-se, o vandalismo e a marginalidade aumentam.
Os bairros perdem personalidade, os protagonistas das histórias de todos os dias desaparecem, a sociedade da desconfiança instala-se mais um pouco. Sou do tempo em que o café de baixo ficava com a chave da casa, e na mercearia podia esperar que a minha Mãe voltasse da escola.
A rede do comércio de rua, o mais tradicional e o mais inovador tem um valor emocional enorme e é capaz de promover uma rede de contactos intergeracional com um efeito multiplicador muito importante.
É difícil encontrar respostas ao nível público para este problema. As que foram ensaiadas passam sobretudo pelo apoio ao investimento na requalificação dos estabelecimentos e zonas públicas adjacentes. Mas esses tempos já lá vão. Não se trata de precisar de fazer obras e alindar ruas, passeios e jardim. Passa por salvar um setor de atividade e a respetiva rede de protagonistas, saberes e serviços prestados às comunidades.
Talvez fosse possível à Câmara Municipal do Porto como à de outras cidades conceber um projeto de apoio ao empreendedorismo (não tem de ser especificamente jovem nem de base tecnológica) que em vez de se subsumir à construção de um centro de incubação ou a um ninho de empresas, passasse por arrendar/comprar espaços comerciais de rua vazios pela cidade e de neles colocar ou recolocar (analisando cada caso) cada negócio que vá morrer por falta de verba para ser testado/mantido neste tempo de crise. Sei bem que as leis da concorrência não permitem ajudas de Estado mas apoiar o empreendedorismo e salvaguardar o património cultural e simbólico de uma cidade também passa pelo comércio de rua. E estes eixos estão bem dotados no quadro dos fundos comunitários que por aí vêm.
Se ninguém que manda quiser arriscar, então, caros concidadãos, mesmo que as prendas de Natal este ano sejam pequeninas, vamos fazer o esforço de as comprar todas nas lojas de rua da cidade. O Natal será melhor!