<p>Uma criança deixar a família de acolhimento e ser entregue aos pais biológicos parece uma coisa perfeitamente normal, o culminar de um processo em que a Justiça intervém para defender, repito, para defender os superiores interesses de uma criança. Normalmente, o que sucede, é isto: uma criança é retirada aos pais, normalmente por maus tratos e ambiente familiar impróprio, e entregue a uma família que cuida da criança. A Justiça vai acompanhando, quer a criança e a família que a acolheu quer a família biológica. Às vezes a família biológica recompõe-se e ganha o crédito de receber a criança de volta. Juízes, técnicos de acção social e médicos são alguns dos intervenientes nestes processos, sempre difíceis de analisar, sempre de enorme subjectividade. E tendo como personagem central uma criança, certamente indefesa, certamente insegura, a quem é preciso dar estabilidade, emocional e outras , para enfrentar a vida. Há muito tempo que os especialistas confirmaram já que o bem-estar de uma criança não passa necessariamente por se assegurar que esteja com a sua família biológica. Não raras vezes os pais são os mais cruéis, os que mais mal fazem à criança, ou seja, os menos indicados para dela tomarem conta.</p>
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Porém, há sempre um porém mesmo quando se trata de crianças indefesas. E o porém é que uma família de acolhimento é uma situação transitória. A qualquer momento pode ser tomada a decisão de fazer regressar a criança aos seus pais biológicos. Em nome, obviamente, dos superiores interesses da criança.
Com a menina russa anteontem entregue à mãe que a perdera porque a maltratava mas que agora ganhou o direito a recuperá-la, sucedeu isto mesmo. Com um "pequeno" acrescento: a menina seguirá para a Rússia, onde não conhece ninguém, cuja língua não entende. Alexandra, a menina russa de Braga deverá chegar hoje ao seu distante destino - bem longe das mãos que a receberam há uns anos em Braga e com quem criou laços que aos seis anos ela não pode - nem certamente quereria se entendesse - distinguir se são mãos amigas, mãos interessadas ou familiares. Eram o seu apoio, a sua referência, a sua retaguarda. É possível - é seguramente desejável - que reencontre na Rússia, com a sua família de sangue, a estabilidade emocional que a família de acolhimento lhe dera aqui. E é possível - e desejável também - que quem tomou esta decisão de fazer prevalecer a corrente sanguínea sobre a bondade de uma família afectiva, não seja assaltado por nenhuma dúvida, um segundo que seja, sobre se tomou a decisão certa. Oxalá.
PS - Manuela Ferreira Leite diz que o país passa por um enxovalho externo pelo facto de Lopes da Mota não se afastar nem ser afastado do seu lugar no Eurojust . É possível que tenha razão, embora a afirmação pareça superlativada pelo ambiente de campanha eleitoral em que vivemos. Mas Manuela Ferreira Leite ainda nada disse sobre a forma como nasceu este caso Freeport, cozinhando-se uma denúncia anónima entre investigadores, políticos e jornalistas.